sábado, 31 de dezembro de 2011

FELIZ ANO NOVO!


Depois da meia-noite, virá o Ano Novo...O engraçado é que - teoricamente - continua tudo igual...
Ainda seremos os mesmos.
Ainda teremos os mesmos amigos.
Alguns o mesmo emprego.
O mesmo parceiro.
As mesmas dívidas (emocionais e/ou financeiras).
Ainda seremos fruto das escolhas que fizemos durante a vida.
Ainda seremos as mesmas pessoas que fomos este ano...
A diferença, a subtil diferença, é que quando o relógio nos avisar que é meia-noite, do dia 31 de dezembro de 2011, teremos um ano INTEIRO pela frente!
Um ano novinho em folha!
Como uma página de papel em branco, esperando pelo que iremos escrever.
Um ano para começarmos o que ainda não tivemos força de vontade, coragem ou fé...
Um ano para perdoarmos um erro, um ano para sermos perdoados dos nossos...
366 dias para fazermos o que quisermos... este ano temos mais um dia…
Sempre há uma escolha.
E, exatamente por isso, eu desejo que façam as melhores escolhas que puderem.
Desejo que sorriam o máximo que puderem.
Cantem a música que quiserem.

Quero agradecer aos AMIGOS e FAMÍLIA que tenho:
Aos que me 'acompanham' desde muito tempo.
Aos que eu fiz este ano.
Aos que eu escrevo pouco, mas lembro muito.
Aos que eu escrevo muito e falo pouco.
Aos que moram longe e não vejo tanto quanto gostaria.
Aos que moram perto e eu vejo sempre.
Aos que me 'seguram', quando penso que vou cair.
Aos que eu dou a mão, quando me pedem ou quando me parecem um pouco perdidos.
Aos que ganham e perdem.
Aos que me parecem fortes e aos que realmente são.
Aos que me parecem Anjos, mas estão aqui e me dão a certeza de que este mundo é mesmo Divino.

(Texto de autor anónimo, recebido por e-mail)


FELIZ ANO NOVO a todos os visitantes deste espaço.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Mãe...


Nunca nos deixa crescer.
Temos sempre a idade das sandálias
cambadas,
dos calções sujos de amoras bravas.

Está de pé, entre os nossos olhos,
como um jardim.

Mesmo quando os cabelos
começam a ficar
no pente, esbranquiçados,
é sempre a mesma: flor que não cai
no outono do tempo.

Como se a cada segundo renascesse
do seu próprio perfume.

Eduardo Bettencourt Pinto, A mãe

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Dias assim


Há dias, sabes, em que gostava de ser como o gato e que  me tocasses sem desejar encontrar qualquer sentimento a não ser o que se exprime num espreguiçar muito lento - um vago agradecimento? - e depois me deixasses deitado no sofá sem que nada pudesses levar da minha alma, pois nem saberias o que dela roubar.

Pedro Paixão, Assinar a Pele

sábado, 24 de dezembro de 2011

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Palavras roubadas


Os homens deviam ser o que parecem ou pelo menos, não parecerem o que não são.

Shakespeare

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

As Facas do Amor


Quatro facas nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome.

Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue e não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Manuel Alegre, As Facas

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Há outros Natais


Nem percebia que caminhava na direção errada, subindo contra a multidão que descia, o casaco desapertado no frio do inverno que não sentia na pele nua. Um passo a seguir ao outro, sem firmeza, numa lentidão triste de quem perdeu o rumo certo ou não tem para onde ir, os braços pendendo tristemente, a mão direita segurando com firmeza a trela de um cão. O homem chorava. As lágrimas, duas a duas, aninhavam-se no rosto sulcado de rugas profundas, morriam apertadas nos lábios cheios de cortes que sangravam. A menina não viu um cão?  Não viu o meu Rex? Não, eu não vira, só a dor dilacerante daquele homem era visível e doía... Meteu a mão no bolso e mostrou-me os biscoitos dietéticos e o medicamento, contou-me da diabetes e da dependência de insulina, do tanto que gastava para lhe comprar os remédios, da casa desesperantemente fria e silenciosa há dois dias, das horas vazias de sono e de fome, do cansaço da busca imparável, de como desaparecera num minuto pequenino enquanto ele dormitava num banco de jardim... A menina sabe, ele só me tem a mim!  Sem mim, ele morre...! Eu acreditei. Acreditei porque há amores assim, amores eternos e infinitos, alma de cão e alma de gente, almas apenas, afinal. Acreditei que algures na cidade, um cão  sem rumo perguntava também aos passantes pelo dono perdido, talvez sentindo o desespero do coração que se rasga e se parte, sim, coração de bicho também dói, também sangra, e tenho a certeza que o Rex explicaria, se pudesse, que tinha de encontrar o dono, um velho  que só o tem a ele, que precisa tanto dele, e que sem ele, com toda a certeza, antes do Natal, morre de tristeza, de desespero e de solidão.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Aprende o meu corpo. Aprende o teu corpo.


O ar de repente tornou-se perfumado e Maria de Magdala apareceu, nua. (...) Maria parou ao lado da cama, olhou-o com uma expressão que era, ao mesmo tempo, ardente e suave, e disse, És belo, mas para seres perfeito, tens de abrir os olhos. Hesitando, Jesus abriu-os, imediatamente os fechou, deslumbrado, tornou a abri-los e nesse instante soube o que em verdade queriam dizer aquelas palavras do rei Salomão, As curvas dos teus quadris são como jóias, o teu umbigo é uma taça arredondada, cheia de vinho perfumado, o teu ventre é um monte de trigo cercado de lírios, os teus dois seios são como os dois filhinhos gémeos de uma gazela, mas soube-o ainda melhor, e definitivamente, quando Maria se deitou do lado dele, e, tomando-lhe as mãos, puxando-as para si, as fez passar, lentamente, por todo o seu corpo, os cabelos e o rosto, o pescoço, os ombros, os seios, que docemente comprimiu, o ventre, o umbigo, o púbis, onde se demorou, a enredar e a desenredar os dedos, o redondo das coxas macias, e, enquanto isto fazia, ia dizendo em voz baixa, quase num sussurro, Aprende, aprende o meu corpo. Jesus olhava as suas próprias mãos, que Maria segurava, e desejava tê-las soltas para que pudessem ir buscar, livres, cada uma daquelas partes, mas ela continuava, uma vez mais, outra ainda, e dizia, Aprende o meu corpo, aprende o meu corpo. Agora Maria de Magdala ensinara-lhe, Aprende o meu corpo, e repetia, mas doutra maneira, mudando-lhe uma palavra, Aprende o teu corpo, e ele aí o tinha, o seu corpo tenso, duro, erecto, e sobre ele estava, nua e magnífica, Maria de Magdala, que dizia, Calma, não te preocupes, não te movas, deixa que eu trate de ti, então sentiu que uma parte do seu corpo, essa, se sumira no corpo dela, que um anel de fogo o rodeava, indo e vindo, que um estremecimento o sacudia por dentro, como um peixe agitando-se, e que de súbito gritava, ao mesmo tempo que Maria, gemendo, deixava descair o seu corpo sobre o dele, indo beber-lhe da boca o grito, num sôfrego e ansioso beijo que desencadeou no corpo de Jesus um segundo e interminável frémito.

José Saramago, O Evangelho segundo Jesus Cristo

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Em nome de ti


Em nome da tua ausência
construí com loucura uma grande casa branca
e ao longo das paredes te chorei.

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 27 de novembro de 2011

Vox populi, vox Dei


Un libro abierto es un cerebro que habla; cerrado, un amigo que espera; olvidado, un alma que perdona; destruído, un corazón que llora.

Provérbio espanhol

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Baixa-mar


Acontece-me esta maré baixa de alento
que deixa a nu as rochas molhadas da inquietude.
Como uma praia vazia de água,
fico a debater-me no areal ventoso
num estranho vaivém
contra o penedio escarpado da alma.

E é uma descida íngreme, vertiginosa,
onde sufoco nas margens de mim,
me afogo em silêncios
e me firo
e me rasgo.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O sal do teu sorriso


Às vezes é verão dentro da minha memória e o tempo não tem pressa nas horas deitadas fora sem sentimentos de culpa. E ouço a tua voz. A doce melancolia da tua voz, a abrir sulcos no pântano da saudade que sempre escorre em mim. É igual ao que sempre foi, lembrando-me das coisas que foram e ainda das que hão de vir. Não sei bem porquê, este estio seco a rasgar lembranças, assim tão de repente. Sei que é verão e nos poemas da tua boca tens ainda os lábios húmidos, abertos no sal de um eterno sorriso. O mesmo sorriso suspenso, paralizando os ponteiros. O mesmo sorriso com que me juraste tudo, o mesmo sorriso com que me prometeste tanto.

sábado, 19 de novembro de 2011

O sentido oculto das coisas


O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos.
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja mais nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: -
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.

Alberto Caeiro, XXXIX, O Guardador de Rebanhos

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os meigos dedos das palavras


E de mansinho as palavras chegam
tocam-me os silêncios do rosto
e escrevem os textos que me roubaram a voz.

Tão meigas e suaves, as palavras,
Só elas, a escorrerem tristezas na quietude
da noite molhada de vento...

Só as palavras, com dedos feiticeiros
a tecerem alquimias, a sararem feridas,
a encontrarem saídas e luzes em túneis escuros.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Pai, quero que saibas


É o teu rosto que encontro. Contra nós, cresce a manhã, o dia, cresce uma luz fina. Olho-te nos olhos. Sim, quero que saibas, não te posso esconder, ainda há uma luz fina sobre tudo isto. Tudo se resume a esta luz fina a recordar-me todo o silêncio desse silêncio que calaste. Pai. Quero que saibas, cresce uma luz fina sobre mim que sou sombra, luz fina a recortar-me de mim, ténue, sombra apenas. Não te posso esconder, depois de ti, ainda há tudo isto, toda esta sombra e o silêncio e a luz fina que agora és.

José Luís Peixoto, Morreste-me

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ponto de Fuga

Quando tombado, o corpo é apenas matéria orgânica a degradar-se no chão do planeta. Caído por terra, ele sabe da morte anunciada como a árvore arrancada pela raiz, a ave com uma asa partida, o peixe fora de água. É uma questão de tempo e de forças. Sem equilíbrio, o corpo caído olha de frente a morte e procura desesperadamente o ponto de fuga... Um sorriso, um olhar atento, uma palavra, um gesto. Ou uma voz. Qualquer coisa que o faça erguer-se, que o levante em pé, talvez uma música, uma imagem, uma memória... Um cheiro. Ou uma luz.
Às vezes os pontos de fuga não existem ... e incapaz de se levantar, o corpo desiste por fim, prepara-se para ser esmagado e entrega o que resta de si às leis da vida e do universo. 

sábado, 29 de outubro de 2011

A chave das palavras

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível, que lhe deres:

- Trouxeste a chave?


Carlos Drummond de Andrade 

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Corremos dentro dos corpos

Como o sangue, corremos dentro dos corpos no momento em que abismos os puxam e devoram. Atravessamos cada ramo das árvores interiores que crescem do peito e se estendem pelos braços, pelas pernas, pelos olhares. As raízes agarram-se ao coração e nós cobrimos cada dedo fino dessas raízes que se fecham e apertam e esmagam essa pedra de fogo.
Como sangue, somos lágrimas. Como sangue, existimos dentro dos gestos. As palavras são, tantas vezes, feitas daquilo que significamos. E somos o vento, os caminhos do vento sobre os rostos. O vento dentro da escuridão como o único objecto que pode ser tocado. Debaixo da pele, envolvemos as memórias, as ideias, a esperança e o desencanto.

José Luís Peixoto, Antídoto

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Palavras de água

A ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água.

Teixeira de Pascoaes

Voo suave

Ah, quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!

Porque é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Porque vai sob o céu aberto
Sem um desvio?

Porque ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade

Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minha'alma alheia

Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro em meu ser.

Fernando Pessoa, Cancioneiro

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Imperfeita

Hoje todas as palavras são um um infinito excessivo...
E todos os silêncios são um imenso vazio.

domingo, 23 de outubro de 2011

Amor e afinal nada

Olhava para a fotografia daquela que amei com amor. Amor. Amor. Amor, gostava de dizer esta palavra até gastá-la ainda mais. Amor, gostava de dizer esta palavra até perder ainda mais o seu sentido. Amor. Amor. Amor, até ser uma palavra que não significa sequer uma ilusão, uma mentira. Amor, amor, amor, nem sequer uma mentira, nem sequer um sentimento vago e incompreensível. Amor amor amor, até ser nem sequer uma palavra banal, nem sequer a palavra mais vulgar, nem sequer uma palavra. Amoramoramor, até ao momento em que alguém diz amor e ninguém virará a cabeça para ouvir, alguém diz amor e ninguém ouve, alguém diz amor e não disse nada.

José Luís Peixoto, Uma casa na escuridão

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Quatro anos

Quatro anos.
De inquietudes. De palavras. De silêncios.
Quatro anos a olhar-me no avesso de mim,
a descer os abismos mais fundos
e a perder-me nos labirintos da saudade.
Quatro anos.
De janelas abertas ao sol
de vento salgado no rosto
de passos solitários e incertos.
Quatro anos...
Consigo, que me visita,
que me oferece palavras e sorrisos
me deixa o eco dos seus passos.
Quatro anos... E tantas palavras...!
...
A todos os que me leem,
Obrigada por estarem aí,
desse lado da vida,
... da minha vida.

Ana Paula

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Na rede

Abro a lista de favoritos e saio para a blogosfera. Hoje procuro as palavras dos outros porque as minhas não fazem sentido, são uma doida pintura abstrata com cores improváveis, desprovidas de nexo e de sensatez... Hoje recuso a leitura e a escrita, os testes e os textos... Às vezes acontece-me enlouquecer. Às vezes zango-me muito comigo... Como hoje.
Procuro as palavras e entro em silêncio na casa dos amigos, devoro-lhes os textos, tento adivinhar-lhes as emoções, respiro fundo e saio sem deixar rasto... Não quero que me vejam, não quero que saibam que passei por ali... Desejo apenas a invisibilidade e o silêncio. Há blogues onde me demoro mais tempo porque uma palavra especial, um texto devastador, uma música ou um verso, subitamente prendem-me ao ecrã... E hoje finalmente alguém disse aquilo que eu procurava, aquilo que não consigo dizer, e é bom encontrar na rede as palavras que fugiam... É bom vermo-nos nas frases dos outros como num espelho...
Regresso ao meu cantinho, olho o contador de visitas e sorrio... Estão cinco pessoas online. Tento imaginar quem são, se vieram aqui ter por acaso ou se são amigos que entram regularmente, se procuram o mesmo que eu, se também eles encontraram hoje as palavras perdidas nos emaranhados caminhos virtuais desta infinita rede onde nos perdemos, nos reencontramos, onde nos cruzamos sem nos vermos... Onde andamos todos, invisíveis... silenciosos... e estranhamente sós. 

domingo, 16 de outubro de 2011

sábado, 15 de outubro de 2011

Como Água

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se eu não tiver amor, sou como um bronze que soa, ou como um címbalo que tine. E ainda que eu tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e tivesse toda a fé, se não tivesse amor não seria nada. E, ainda que distribuisse todos os meus bens para sustento dos pobres, e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse amor, nada me aproveitaria.

Carta de S. Paulo aos Coríntios

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Fim

Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida sonho nenhum, e faltam a esse também.

Fernando Pessoa

domingo, 9 de outubro de 2011

Outono

Já é Outono, reparaste? Vê-se na cor plúmbea do mar, na branca crista das ondas, na espuma desfeita nas rochas tão frias... Sente-se na voz das gaivotas um soluço triste porque o Verão se despedaçou no ocaso dos dias. Ouviste-as? Hoje estavam tão tristes, as gaivotas... Aninhavam-se nas dunas duas a duas, com olhos solitários e vazios cravados no dorso das ondas... E a neblina, tão bonita, perdeu o tom de mel na acidez do escurecer mais precoce de Outubro. Entristece-me este Outono com folhas derramadas pelo chão, com árvores desgrenhadas, entristecidas, queimadas por tantos dias de sol agora mais morno, mais manso... A natureza prepara-se para adormecer debaixo da terra, longe dos nossos olhos, no seu imparável e sábio ritmo secular. Em breve estará aí o frio, a chuva, os vendavais assustadores, e o mar, como todos os invernos, galgará os passeios exigindo o seu chão.
Já é Outono... sabias? O silêncio da madrugada arrepia-me a pele num negro muito profundo e tenho o coração inquieto... 

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Dia Mundial do Professor

Um professor afeta a eternidade; é impossível dizer até onde vai a sua influência.

Henry Adams

terça-feira, 4 de outubro de 2011

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Eras tu

Eras tu, que eu sei. Sinto-te muitas vezes perto de mim, segues-me pela casa e quase consigo ouvir-te conversar com as plantas como dantes fazias. Sei que és tu, porque prometeste que para sempre velarias o meu sono e os meus sonhos. E tu nunca me mentiste, nunca faltaste a uma promessa.Vejo muitas vezes a forma silenciosa do teu corpo desenhando a ternura e a saudade no sofá da sala, a tua mão que afasta os cortinados suavemente para deixar entrar mais luz e escutar as aves. Hoje eras tu, que eu sei. Senti a tua mão pousada no meu ombro, pressionando-me ligeiramente a curva do pescoço, expulsando as coisas más que eu trazia no peito, obrigando-me a suster a respiração e a pensar nas palavras antes de as dizer de enxurrada, como um rio destruidor cheio de lama. Eras tu. És sempre tu, de todas as vezes, no roçagar das folhas das plantas, nos olhos fixos e atentos do gato, nos passos vagarosos na escadaria, pisando com mais lentidão o degrau que range e te denuncia, são os teus braços na bacia cheia de roupa que se torna subitamente mais leve quando arranco à pressa a roupa do varal debaixo de chuva. És tu, que eu sei. Sempre soube que eras tu quem abria as gavetas e as portas dos armários, quem me segura a mão evitando o excesso de açucar quando estou a fazer bolos, quem apaga as luzes que distraidamente vou deixando acesas atrás de mim. E hoje eras tu, de novo. Sei que eras porque senti-o nas tuas mãos quando as pousaste em mim com ternura, senti o inesquecível cheiro a alfazema que trazias sempre agarrado à pele, como se pertencesses às coisas lindas do mundo, como se fosses também tu, apenas brisa, apenas mar, apenas flor, apenas ave, apenas nuvem.

domingo, 25 de setembro de 2011

Palavras desertas

Es una calle larga e silenciosa.
Ando en tinieblas y tropiezo e caigo
y me levanto y piso con pies ciegos
las piedras mudas y las hojas secas
y alguien detrás de mí también las pisa:
si me detengo, se detiene;
si corro, corre. Vuelvo el rostro: nadie.
Todo está oscuro y sin salida,
y doy vueltas e vueltas en esquinas
que dan siempre a la calle
donde nadie me espera ni me sigue,
donde yo sigo a um hombre que tropieza
y se levanta y dice al verme: nadie.

Octavio Paz, La Calle

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Um abraço. Para sempre.

Para sempre me ficou esse abraço. Por via desse cingir de corpo minha vida se mudou. Depois desse abraço, trocou-se, no mundo, o fora pelo dentro. Agora, é dentro que tenho pele. Agora, meus olhos se abrem apenas para as funduras da alma. Nesse reverso, a poeira da rua me suja é o coração. Vou perdendo noção de mim, vou desbrilhando. E se eu peço que ele regresse é para sua mão peroleira me descobrir ainda cintilosa por dentro. Todo este tempo me madreperolei, me enfeitei de lembrança.

Mia Couto, Na Berma de Nenhuma Estrada

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Palavras tristes

se envelhecesses a meu lado, cedo perceberias
que nunca fui digno do teu rosto ou da tua ternura.
é isto que penso quando me lembro que partiste.

José Luís Peixoto, A casa, a escuridão

sábado, 17 de setembro de 2011

Less is more

Os orientais têm razão, cada vez me convenço mais disto, sobretudo nestas alturas, em que à semelhança de uma alergia ou febre dos fenos tardia, sou violentamente possuída pela doença das limpezas e arrumações. E desato a abrir gavetas, armários, roupeiros, caixas abandonadas cobertas de pó, sacas com coisas religiosamente guardadas porque podem vir a ser úteis para alguma coisa... Mas depois nunca o são. Depois estão tão bem guardadas que nem sequer sei que as tenho. E percebo que encho a casa com coisas que tenho pena de perder, recordações, roupa que talvez volte a servir ou a usar-se, calçado que quem sabe, um dia deixará de me magoar... Os orientais estão certos. Preciso cada vez de menos coisas para ser feliz, cada vez compro menos e valorizo mais o que não está à venda... 
E ando irritada com tudo isto, afogada em tralha, em armários caóticos, em espaços sobrelotados que me roubam o ar para respirar... Está decidido... Vou desfazer-me de tudo o que é inútil, de tudo o que não preciso, de tudo o que está velho, gasto, partido, fora de uso, de tudo o que não gosto, me aperta e me magoa.
Depois, vou sentar-me descalça a saborear uma música, um poema, um café ou um licor doce, com a janela escancarada sobre o jardim que me trará o cheiro da relva e das flores, o canto dos pássaros, a voz do vento, ou o riso dos meus filhos...
E a seguir, talvez faça o mesmo com o coração... Também ele anda sufocado e a precisar de limpezas gerais.  

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Faz vento lá fora

não estou certo de nada. gostava, contudo,
de acreditar que existes, para te esperar
sem angústia, talvez pôr a música mais baixo, ouvir
os vizinhos a conversar, preparar coisas para te
dizer, ler um livro, vestir-me. gostava de ter
por ti um amor convencional, sem ter de o
imaginar. com um jantar pelo meio, um passeio
no mais popular do parque, a ver cisnes e a
fugir dos cavalos. mas não estou certo de nada, e
mais fácil é fechar as portadas, escolher um cobertor
quente e fazer com que vente mais e mais lá fora

valter hugo mãe

Em Português

E pronto, não posso adiar mais. Hoje é o primeiro dia de aulas e a partir de agora é impositivo que se use o novo Acordo Ortográfico da língua portuguesa em todas as escolas do país. Aos meus leitores peço paciência porque sei que vou falhar muitas vezes, vou cometer erros, ou não fossem os hábitos de uma vida inteira tão difíceis de mudar...
A vantagem (tão boa!) é que já não existe o português de Portugal nem o português do Brasil... Existe apenas a nossa língua, a língua portuguesa, belíssima nos seus acordes, na sua sonoridade, cheia de melodia e de doçura, como um poema...! Agora existe apenas uma língua com uma literatura riquíssima a unir 273 milhões de falantes em todos os cantos do mundo. Levada deste cantinho pelos marinheiros portugueses na era dos Descobrimentos, a língua de Camões dispersou-se, uniu os continentes e é hoje a sexta mais falada no mundo e uma das línguas oficiais da União Europeia. Espero não a desrespeitar nunca nos meus textos cometendo erros grosseiros e é com humildade que agradeço aos visitantes deste espaço todas as correções que se impuserem.
E agora, que estamos todos de Acordo, vamos lá escrever em português :) 

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Preciso de escrever-te

... tenho sentido a tua ausência nas palavras que não te escrevo. Trabalho, muito, distracções várias, preocupações mil que me afastam de ti. Nas palavras quero dizer. Em pensamento, tu a interromperes-me as manhãs as tardes as noites. As mesmas manhãs tardes noites que não te escrevo. Sinto-te na ausência do que não digo. Preciso de escrever-te.
Repito: preciso de escrever-te.

Paulo Ferreira, Cartas a Mónica

Deixa o mar na pele


E quando eu me lembrava de que no dia seguinte o mar se repetiria para mim, eu ficava séria de tanta ventura e aventura. Meu pai acreditava que não se devia tomar logo banho de água doce: o mar devia ficar na nossa pele por algumas horas. Era contra a minha vontade que eu tomava um chuveiro que me deixava límpida e sem o mar. A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar? Nunca mais? Nunca mais. Nunca.

Clarice Lispector, Banhos de Mar

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Basta que existas


Hoje escrevo-te em papel timbrado por um chão de ardósia.
Entra por esta folha ensina-me a mudar a página dos teus olhos.
Diz-me que o meu nome não é um borrão sobre os dias.
Não preciso que me vejas basta que me encontres no berço das quimeras.
Não necessito que me abraces num solo calcinado de promessas.
Basta que leias no olhar enxuto do poema.
Se o amor é uma rosa-dos-ventos basta que existas em todas as latitudes.

Alberto Serra, Obra Poética

Deste pulsar tranquilo

Os turistas partiram. Finalmente vazia, a cidade volta a ser nossa, espreguiçando-se ao sol brilhante deste Setembro enlouquecido de vento quente e mar tão morno. Na areia abandonada das pegadas dos caminhantes, as gaivotas olham serenas o horizonte azul, também elas reconciliadas com a pequenez desta cidade que respira silenciosa, apaziguada com as rotinas suaves de uma terra costeira. Os sons são já os nossos, os de sempre, os passeios vazios convidam aos passos junto ao mar e os que se amam beijam-se na boca, invisíveis como barcos ancorados na quietude do cais... Ouve-se de novo o mar... Fecho os olhos que cegam com o brilho dourado da manhã... E belíssima, a cidade pulsa tranquila, sorrindo feliz neste regresso a nós.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O mar é o coração duma mulher

No amor há um mar revolto.
Abrasadores, os sentidos irrompem
do vazio.
Um gato dorme sobre o piano.
Corre as cortinas à morte
do que sente:
um banco vazio no escurecer
da sua clausura.
Os vultos das gaivotas perdem-se
nas janelas
e o mar é o coração duma mulher.

Eduardo Bettencourt, "Corre as cortinas à morte do silêncio" in Um dia qualquer em Junho

domingo, 11 de setembro de 2011

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

E agora?


Não, nunca parti... Foi sempre aqui que eu estive, perdida em cumeadas de silêncio olhando os rostos tristes dos girassóis das palavras, perseguindo em vão um texto qualquer... Estive aqui juntando frases em absurdos narrativos, procurando numa luta inglória o ponto final, vendo passar silhuetas de versos intranquilos na melancolia quieta das madrugadas mornas. Nunca parti, sabes? E reparei até no findar do Verão... Por isso precisava das palavras para pintar os ecos dos passos serenos, tão seguros, deste Outono que vem caminhando cá dentro... Mas rasguei-lhes o ventre macio, calei-lhes a voz e não consigo escrever... Já não sei escrever...
E agora? Quem me conta o que acontece em mim?

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Quanto pesa uma lágrima?

Quando abriu os olhos, Tomasa pensou que amava Octávio com a irrealidade que torna todas as coisas possíveis e que, no fundo, nunca precisara de tempo nem de espaço, porque aí onde o guardava, no meio de uma paisagem muito azul e muito meiga, o tempo e o julgamento dos homens não tinham a menor importância. (...) Depois fechou os olhos e sentiu uma lágrima a rolar-lhe pela face. Permaneceu imóvel e quase pôde ouvi-la rebolar na sua pele, lentamente, como se fosse uma pérola caída de um colar. Então pensou que nunca uma lágrima lhe parecera tão bela, tão redonda e tão perfeita.

- Sabes quanto pesa uma lágrima, Octávio? O peso de toda a saudade que tenho de ti - murmurou.

Sofia Marrecas Ferreira, O Sangue da Terra

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A última dança

E de repente, o estertor de uma música belíssima bate-me na alma, no fundo, no lugar onde a dor é mais fria, no lugar secreto onde dói mais. Inclino a cabeça para a ouvir melhor e ela continua, faz-se mais forte, como uma mariposa doida na sua cegueira a roçagar nas vidraças do pensamento, dançando a mais bela de todas as danças. É a luz da memória que a atrai... ou a da saudade...? Fecho os olhos e ouço-a com uma nitidez tão grande dentro de mim... Ouço a agonia dessa sonata na sua dança mortal e é tão triste que nem me importo que ela fique aqui, aninhada no meu peito, fazendo-me companhia enquanto escrevo. Deixo-a ficar aqui, enquanto ela se consome nessa dança louca em volta da chama do pensamento... Enquanto ela dança a dança da morte, a sua última dança.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Palavras que doem

Dói-me esta água, este ar que se respira,
Dói-me esta solidão de pedra escura,
e estas mãos nocturnas onde aperto os meus dias
quebrados na cintura.

Eugénio de Andrade, Palavras interditas até amanhã

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

De olhos bem abertos

Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos bem abertos
E conhecem o abismo pedra a pedra, anémona a anémona, flor a flor.

Sophia de Mello Breyner Andresen

(...)

A certa altura da vida começamos a aprender a esperar o tempo. A certa altura da vida o que nos mata não são as horas. O que nos mata são as palavras e a ausência de palavras.

Baptista-Bastos