domingo, 31 de março de 2013

Páscoa Feliz!


Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
De uma manhã futura

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Obra Poética

sexta-feira, 29 de março de 2013

Crónicas do vento salgado


Estavam sentadas lado a lado, uma fazendo madeixas, a outra com a cabeça cheia de rolos fininhos nos cabelos curtos. Volumosas ambas, duplo queixo, mãos grossas com unhas cortadas rentes, a pele acusando maus tratos e esquecimento. Riam muito alto, felizes por estarem sentadas a descansar pelo menos duas horinhas, longe das bancas que possuem no mercado e onde encostam os ventres redondos enquanto apregoam o peixe fresco e vivinho. Trocaram receitas, comentaram as novelas da TVI, coscuvilharam a vida de uma vizinha que anda de namoro com um homem casado, falaram da vida dos filhos e desancaram nas noras como se estivessem ali sozinhas. As duas enchiam o salão de ruído com o seu gargalhar ouvindo-se por cima dos secadores. A dos rolos ficou pronta primeiro, levantou-se a custo atrasando até ao infinito o momento de regressar ao mercado, ficou de pé junto da outra, queria ver o louro final, talvez fazer igual da próxima vez... E riam, riam, riam... Até que a das madeixas olhou em volta e se envergonhou: Ai tchopa, até parece mal tarmos pr'aqui cum risadas e o Cristo morto... Fez-se silêncio por uns momentos que pareceram uma eternidade e depois a outra rematou: Abençoadinho seja! Olha mulher, é o único dia no ano co meu home não reclama os direitos dele e eu drumo como uma santa! Abençoada morte que proíbe a carne! A outra não se calou e passaram à discussão do desempenho dos maridos na cama, numa devassidão da intimidade que fazia corar a dona do salão. Depois, a que estava pronta pagou, despediu-se efusivamente da amiga e atirou para o ar: As sinhoras desculpem, sim? A gente gostamos munto de cumbersar, fomos feitas a falar! Boa Páscoa p'ra todas! E saiu, deixando atrás de si o silêncio e uma série de rostos sorrindo disfarçadamente. A outra ficou, ainda lá estava quando eu saí, os olhos tristemente cravados nas mãos pousadas na barriga, talvez pensando na vida sempre igual, só temperada com os encontros ocasionais com as amigas, ou quem sabe, no sexo que detesta e que faz por obrigação, na vizinha despudorada, na nora desmazelada, quem sabe se pensando no Cristo morto hoje e que há de ressuscitar no domingo, trazendo-lhe uma trabalheira enorme porque tinha a família toda para alimentar e enquanto estava ali à espera que o cabelo ficasse louro, o borrego estava por temperar.  

quinta-feira, 28 de março de 2013

Fogo


entra devagar no centro do fogo

guarda para dias mais trémulos e inseguros
as perguntas os medos a dor
que sobra sempre do desejo

entra como quem morre no centro do fogo

e bebe a cinza
que desenha os contornos da cama
onde os joelhos se despem do frio
que os prende à terra

entra como quem arde no centro do fogo

e deita na água do meu corpo
as sementes acesas no tempo
que por única herança
terás de mim
entra devagar no centro do fogo

e
lavra-me

Alice Vieira, "Devagar no centro do fogo" in Dois Corpos Tombando na Água

quarta-feira, 27 de março de 2013

Da culpa


Não fui eu que pintei o sol no céu,
nem as nuvens no Ar
com água de prata.

Quando nasci já tudo estava no mundo
com relvas e azuis, poentes e sombras,
pobres e cicatrizes...

Porque então estes remorsos
de andar a sofrer não sei por quem
a culpa de haver rosas e haver vida?

Palavra! Não fui eu
quem atirou a lua para o céu!
 
José Gomes Ferreira, in Poeta Militante - Viagem ao século vinte em mim

terça-feira, 26 de março de 2013

Água

 
Tão manso é o lago dos teus olhos
que temo avançar a mão
cortar as águas
e semear o espanto
na descoberta
da minha sede antiga.
 
Ana Paula Tavares, in Dizes-me coisas amargas como os frutos

segunda-feira, 25 de março de 2013

Sal


Deve existir algo estranhamente sagrado no sal.
Encontra-se nas lágrimas e no mar.

Khalil Gibran

quinta-feira, 21 de março de 2013

Dia Mundial da Poesia


Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda gente!

Florbela Espanca, "Ser Poeta" in Charneca em Flor


Primavera


Depois do Inverno, morte figurada,
A Primavera, uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.

Miguel Torga, "Glória"

quarta-feira, 20 de março de 2013

Da Felicidade


 
Ouvi há pouco nas notícias, hoje celebra-se o primeiro Dia Internacional da Felicidade. Ao que parece, a  ONU pretende que se reconheça "a felicidade e o bem-estar como objetivos universais para a vida da humanidade". A sugestão veio do Butão, um pequeno reino budista perdido algures nos Himalaias, dizia o locutor... E a seguir entrou a reportagem onde os portugueses definiam a felicidade: saúde, viagens, dinheiro, amor, paz, compreensão... e outros lugares comuns. E quando se fala em Felicidade, lembro-me sempre deste pedacinho do Livro do Desassossego onde Bernardo Soares se atreve a dizer que a felicidade está fora da felicidade:
 
Para se ser feliz é preciso saber-se que se é feliz. Não há felicidade em dormir sem sonhos, senão somente em se despertar sabendo que se dormiu sem sonhos. A felicidade está fora da felicidade. Não há felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já que deixá-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em tudo. Não saber, porém, é não existir.
 
Talvez fosse por isto que os senhores da ONU quisessem que a humanidade soubesse que é preciso ser feliz e tivessem decidido instituir a data... Não sei... Como não sei também porque razão nenhum dos entrevistados disse que a Felicidade é trincar um raio de sol, plantar árvores e regar flores, descobrir que as andorinhas chegaram e fizeram ninhos nos beirais do telhado, ousar escrever um poema, andar descalço, encher os pulmões de maresia, riscar com o dedo um nome na areia da praia, beijar e abraçar um filho, escrever uma carta de amor, oferecer um presente só porque sim, ouvir uma música inesquecível e cantá-la, mesmo que desafinando, a plenos pulmões, sentir o vento bater-nos no rosto, cozinhar para os amigos... Ninguém disse que a Felicidade é assistir a um pôr-do-sol, é o cheiro do café acabado de fazer, é olhar o brilho da lua todas as noites, antes de adormecer, é viajar nas páginas de um livro, é limpar as lágrimas de um amigo, é cozer o pão, saborear um gelado à beira-mar, é ouvir o silêncio, é telefonar só para ouvir uma voz de que se tem saudade... Dizia o locutor que um estudo prova que os portugueses estão mais tristes por causa da crise... Talvez estejam. E no entanto, eu confesso, tanto do que me faz feliz está tão longe do dinheiro...! Tanto do que me faz feliz é ao preço da chuva que me molha o rosto, ao preço do mar sempre infinitamente azul, por onde derramo o olhar, ao preço do sol que me aquece a pele, ao preço da vertigem que me provoca o sorriso daqueles que amo... 

terça-feira, 19 de março de 2013

Pai...


Zanguei-me com Deus aos quatro anos. Foi a  primeira zanga feia, de muitas que a vida me traria... Durante meses adormecia a chorar depois de ter rezado até à exaustão, depois de ter pedido com o coração, como me ensinou a minha avó, para Deus trazer o meu pai de volta. Eu achava que Ele entenderia o quanto era injusta aquela morte, só podia ser um engano, Deus, que tudo podia, corrigiria esse erro terrível. Depois, pensei que era para me castigar por me ter portado tão mal, por ter assaltado a tigela da marmelada, por ter cortado o cabelo às bonecas, por ter roubado o batom da mamã, ou por ter desenhado nas paredes da sala com a caneta preta, que Deus me castigava assim tão violentamente. O pior de tudo eram as noites, quando me sentia escorregar para o sono e via o rosto dele, ouvia a sua voz e sentia o seu cheiro, tão nítido que só podia ser um engano, o pai estava vivo, ali ao meu lado, e por alguma desesperante razão que eu desconhecia, não conseguia vê-lo.
Zanguei-me com Deus mais tarde, na escola primária, quando no dia de hoje os meus amiguinhos faziam trabalhos para dar ao pai e eu era a única menina que ficava a fazer um desenho, com os olhos cheios de lágrimas, um nó na garganta e as mãos a tremer sem parar, sentada ao lado da professora; zanguei-me mais tarde, em todos os natais, nas páscoas, nas festas de aniversário, na primeira comunhão, nas noites infinitas em que o choro cansado da minha mãe atravessava as paredes do quarto e vinha enterrar-se no meu peito, certeiro como um punhal. E doía. Doía muito.
Depois cresci e reconciliei-me com Deus. Pedi-lhe perdão e agradeci-lhe por me ter deixado, estes anos todos, a presença do meu pai. E se ainda hoje o sinto tão perto de mim, é porque Deus, que também é pai, entendeu que eu merecia guardar ao menos as memórias. Durante toda a vida, o meu pai faltou-me todos os dias e no entanto eu sinto-o junto de mim, muitas vezes... Preciso de acreditar que a sua mão de anjo me ampara as quedas, que ele me escuta de todas as vezes que lhe falo, que me orienta os passos e me ilumina as saídas nas encruzilhadas da vida. E é para o colo dele que eu subo quando nenhuns outros braços me abraçam. Misteriosamente, inexplicavelmente, sei que é a mão dele que eu sinto neste momento pousada no meu ombro, é o rosto dele junto do meu, espreitando a sorrir este texto que agora escrevo.

domingo, 17 de março de 2013

Ao fundo de um sonho


Alguém, um desconhecido virá ao meu encontro na rua, um dia, e dirá: Conheço-te, sou a tua imagem abandonada, uma noite, dentro do espelho ao fundo dum sonho...
Eu ficarei a olhar-me no seu rosto igual ao meu, sem saber por onde fugir-me.
 
Al Berto, in Diário

sábado, 16 de março de 2013

Por um fio

 

 
À semelhança de qualquer mortal, tens a vida presa por um fio.
Uma espécie de fio de nylon mais ou menos resistente, mais ou menos frágil e quebradiço. Que te prende à vida.
O fio, esse fio, até podia ser baço ou resplandecente, pouco adiantava para o caso. Como não adiantava a circunstância de um deus qualquer estar a segurar numa das pontas.


Rui Caeiro, in Um fio que te prende à vida

segunda-feira, 11 de março de 2013

Crónicas do Vento Salgado

 
É cedo. No café ainda sonolento só estou eu, na mesma mesa de sempre, escrevendo no meio do silêncio das mesas vazias. Gosto de começar o dia assim, virada para dentro de mim, à procura do poema que hoje esvoaça num roçagar de asas inquieto porque me fogem velozes as palavras. Subitamente, a empregada deixa cair com estrondo a pilha de chávenas que carregava e elas estilhaçam-se em mil pedaços salpicando de branco o chão de tijoleira negra. O ruído foi inesperado e ensurdecedor. Ela levou as duas mãos à boca para amparar o grito abafado e leio-lhe a frustração, o susto, o cansaço. Os seus olhos procuram-me, pedindo desculpa pelo desastre e eu sorrio-lhe. Tem os cabelos escuros que usa escorridos sobre os ombros e as mãos grossas e maltratadas cheiram sempre a lixívia quando, sem que seja preciso pedir, vem pousar-me o café na mesa com os olhos sorridentes. Conhecemo-nos há muitos anos. Sempre que estamos só as duas, vem varrendo devagar na minha direção e encosta a anca redonda à borda da mesa, procurando o pretexto para a conversa, perguntando-me se estou a escrever outro livro, se quero um amanteigado quentinho ou uma meia de leite, numa preocupação genuína com o facto de eu nunca comer. Que tenho que me alimentar, diz muitas vezes. Que ando com olheiras e um ar cansado, que emagreci, que não devia escrever tanto porque fico com a cabeça cansada... Às vezes fala-me do filho, que é bom nos números mas se troca todo nas letras, e nascem-lhe umas ruguinhas de preocupação na testa a contrariar o sorriso sempre aberto, sempre pronto, sempre meigo. Nesses momentos, fala sem parar, conta que que não sabe o que vai ser dele, que não sabe como ajudá-lo a ser alguém na vida, alguém diferente dela, que tenha estudos suficientes para não precisar de varrer o chão, servir às mesas ou lavar louça num café. Cansado da vida no mar, o marido partiu há muitos anos para a Suiça e ela sente-se só apesar do skype, das sms cada vez mais raras, das rápidas visitas em agosto... Veja lá, professora, este ano ele esqueceu-se dos meus anos... É uma vida só de tristeza e de trabalhos... E com os olhos marejados de lágrimas, pegou na vassoura e começou a varrer devagar, arrastando os cacos num tilintar cristalino, pedindo desculpa de novo pela perturbação e pelo barulho. Rapidamente o chão recupera a negrura inicial e ela afasta-se para a cozinha com o apanhador cheio de cacos, não sei se de louça, se do seu coração, com os ombros descaídos resignados com o acidente, insatisfeita consigo própria e com o desastre do seus gestos.
 Retoma-se o silêncio e estou outra vez só. Em cima da minha folha há um caco branco pequenino que pretende decerto entrar no meu poema, fazer-se presente nesta manhã que agora começa. Dou-lhe então abrigo, deixo-o ficar no meio dos meus versos e pouso a caneta. Escorrego de novo para dentro de mim e aninho-me desconfortavelmente, algures, entre as rimas do meu poema definitivamente  estilhaçado. Como o coração da empregada, solidariamente estilhaçado.
 

sábado, 9 de março de 2013

Da perda



Enquanto me visto, penso que são tantas as vezes que tenho ido ultimamente a igrejas e a cemitérios... Penso nos abraços que tenho dado a pessoas que amo, desfeitas em dor, nas vezes em que a minha boca sem voz morde os lábios inúteis de palavras ou lambe um fio de lágrimas que já não vale a pena tentar secar. Penso nesta merda que é a morte, que de repente nos puxa o tapete debaixo dos pés e nos deixa assim, cegos e em queda livre, em direção ao vazio. Penso na raiva, na revolta que isto me dá, na minha impotência para enxotar a tristeza e a dor que desabam sobre nós. Penso nas casas que ficam subitamente vazias, as vidas de pernas para o ar que é preciso repensar de novo. Penso nos afetos que não cheguei a dar inteira, no tempo que nunca tive para dedicar, nas palavras que nunca disse aos que partem e que agora estão irremediavelmente perdidas. Penso que caminhamos cada vez mais sós, mais tristes, mais vazios, somando perdas eternas...
Penso em tudo isto enquanto me visto de negro e olho o meu rosto pálido e inconsolável, do outro lado do espelho. Penso em tudo isto e tenho frio. Tenho medo.  Penso em tudo isto e depois saio para mais um funeral. 

Sem palavras


As palavras aproximam:
prendem-soltam
são montanhas de espuma
que se faz-desfaz
na areia da fala

Soltam freios
abrem clareiras no medo
fazem pausa na aflição

Ou então não:
matam
afogam
separam definitivamente

Amando muito muito
ficamos sem palavras.


Ana Hatherly

terça-feira, 5 de março de 2013

Dançar de ramo em ramo



Não queiras transformar
em nostalgia
o que foi exaltação
em lixo o que foi cristal.
A velhice,
o primeiro sinal
de doença da alma,
às vezes contamina o corpo.
Nenhum pássaro
permite à morte dominar
o azul do seu canto.
Faz como eles: dança de ramo
em ramo.

Eugénio de Andrade, "De ramo em ramo" in Ofício de Paciência

segunda-feira, 4 de março de 2013

Ó Stora...


Íamos receber a Inês Pedrosa. Não, não sabiam quem era, nunca tinham lido nada dela... E então, porque a melhor maneira de apresentar um escritor é ler os textos que ele escreve, abri "A Instrução dos Amantes" na página que previamente marcara e disse-lhes que tinha escolhido um texto que falava do primeiro amor. O silêncio fez-se sepulcral, talvez porque o primeiro amor é sempre igual, sempre o mesmo tumulto, o mesmo desnorte, é segurar o universo nas mãos ou morder os dedos na solidão do escuro. É querer morrer. É não saber muito bem como viver. Tinha a atenção deles, por isso, comecei a ler:
 
A minha cabeça no teu ombro. A tua boca nos meus olhos. Os meus cabelos nos teus dedos. Qual era a canção? O meu corpo tremia tanto. Tinha medo que tu ouvisses o meu coração a bater. Qual era a canção?
A minha boca nos teus dedos. A tua cabeça no meu colo. Os teus olhos nos meus olhos. O sol do nosso tamanho pelas frinchas da persiana. Os teus pais tinham saído nesse fim-de-semana, lembras-te?
Os teus olhos nos meus olhos, através do vidro, no liceu. Compravas-me chocolates. Roubavas-me o saco dos livros. Rias-te de mim, e era tão bom.
Os teus pais tinham saído. Eram os primeiros dias de calor. Fizémos refrescos e pudim flan de pacote. Puseste o disco a tocar e baixaste as persianas. Lembras-te?
Eu olhava para ti e faltava-me o ar. Escrevia o teu nome na areia da praia. Ficava horas à janela só para te ver passar de bicicleta. Mesmo quando não olhavas para mim. Onde é que tu estás agora?
Lembras-te? Jogávamos à verdade e consequência. Ao quarto escuro. Aos namorados. Dávamos beijinhos às escondidas. Eu escrevia-te poemas e as minhas notas subiram. A minha mãe dizia que eu era uma rapariga sensata. Agora pergunta-me porque é que eu choro tanto.Toda a gente me diz que eu não tenho idade para chorar. E tu não vês. Tu já não me vês. (...) E as pessoas crescidas riem-se. Dizem que eu não tenho idade para desgostos de amor. Que eu vou ter muitos namorados. E eu não quero. Eu quero-te.
Só sei o teu nome. Já não escrevo poemas. Nenhum poema pode fixar a luz que havia debaixo da tua pele.
Contigo eu não precisava de imitar ninguém. O coração da terra batia ao ritmo dos teus passos. De repente tu foste-te embora e ficou tanta coisa por dizer.
Os teus braços na minha cintura. A tua boca na minha boca. Estava escuro. Havia só a luz do aquário ao lado do gira-discos. Como é que tu já te esqueceste?
Os teus pais tinham saído. Os peixes flutuavam por entre as algas. Fechei os olhos. Era capaz de morrer de amor por ti. Como é que tu já te esqueceste?
 
Continuaram em silêncio. Alguns mexeram-se com desconforto nas cadeiras. Uma aluna tinha lágrimas nos olhos. No fundo da sala, alguém se atreveu a quebrar o silêncio:
 
- Ó Stora, leia outra vez...
 

domingo, 3 de março de 2013

Para Sempre


A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal.
 
Inês Pedrosa

De olhos fechados

 

Quantas horas te procurei
Neste escuro, nestas noites lunares.
Quantas vezes fechei os olhos
Para te poder ver
Na serenidade dos rios que enlouquecem.
Esquece-te de tudo,
Guarda apenas a certeza
Que o sol brilha
E que os pequenos pássaros de fogo estremecem
Quando os meus olhos se fecham
Para te lembrar.
 
Paulo Eduardo Campos, in Na Serenidade Dos Rios Que Enlouquecem

sábado, 2 de março de 2013

Palavras salgadas


Há palavras que não sei dizer. Palavras mudas, que me salgam os lábios com o seu corpo de música. Talvez não chegues nunca a ouvi-las porque ficam quietas, ardendo no silêncio como se não dissessem nada... E no entanto, dizendo o mar inteiro. 

sexta-feira, 1 de março de 2013

MARÇO...


é a visita do tempo nos teus olhos
é o beijo do mundo nas palavras
por onde passa o rio do teu nome;
é a secreta distância em que tocas
o princípio leve dos meus versos;
é o amor debruçado no silêncio
que te cerca e que te esconde:
como num bosque, lento, ouvimos
o coração de uma fonte não sei onde...

Vítor Matos e Sá, "Poesia" in Esparsos

Porque os meus leitores são os melhores do mundo e este é o  mês do meu coração, hoje ofereço palavras e flores...
Um março inesquecível para todos! (Sim, eu também guardo um para sempre...)