sábado, 30 de abril de 2011

Percorrer-te como um rio



Quero lá saber

que me chames louca ou sonhadora...

Gosto é de entrar por ti adentro

pela porta do olhar

com os pés descalços e a pele nua,

atravessar-te o coração,

rasgar-te o peito, de pólo a pólo,

e percorrer-te como um rio...

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Dias de água

Conto-te de dias que são rios, que são mares, dias fontes ou regatos, ribeiros ou nascentes... Falo-te de dias de água. De dias que são promessas de risos, de silêncios e de olhares claros. Digo-te dos dias-poema, que se esperavam tanto.

domingo, 24 de abril de 2011

domingo, 17 de abril de 2011

Sem chão


Lembro-me sempre do Rui, quando tenho que viajar. Era o rapaz mais feio da escola, alto e magrinho, o cabelo sempre revolto e frequentemente gorduroso, um rosto triangular cheio de espinhas infectadas e amarelas... Nunca sorria e andava sempre só, arrastando o corpo desengonçado pelos jardins da escola, sentava-se à chuva e falava sozinho, num solilóquio que só ele sabia e onde não deixava entrar ninguém. O Rui gostava de mim, não és peneirenta como as outras, dizia-me sem saber que me atordoava aquele isolamento, aquela estranha loucura que os colegas olhavam de soslaio e respeitavam muito pouco...

O Rui adorava aviões. Atirava os olhos para o céu e ali ficava, a ver as estradas de fumo riscando o azul, desenhando rotas e setas, por vezes o brilho incandescente de algum avião incendiado pelo sol, e dizia-me como se me confiasse um segredo: Vou morrer no ar. A primeira vez aquilo assustou-me mas depois, aos poucos, habituei-me e brincava com ele, ouvia-o falar de explosões de motores, de falhas de combustível, de asas destruídas por raios, de tempestades e ventos que atiravam os aviões para o fundo dos oceanos, de piratas do ar e pilotos que sofriam ataques cardíacos... Ria-me da loucura dele e ele ria-se do meu terror de voar. Era uma estranha partilha que hoje reacordo após tantos anos... Nunca mais vi o Rui, nem sei se ele é piloto de aviões como sempre sonhou... Não sei se ainda acredita que vai morrer no ar... Se o encontrasse hoje, contava-lhe do medo que ainda não venci... Contava-lhe que amanhã, quando subir as escadas do avião, vou ter o coração descompassado e as mãos frias... Contava-lhe que não me conformo que não haja no céu áreas de serviço onde se possa parar para caminhar um pouco e respirar fundo, que as janelas dos aviões sejam hermeticamente fechadas e seja impossível baixar o vidro e respirar ar puro, sentir o vento... O Rui entenderia, porque sabia que eu gosto de vento a bater-me na cara, que não gosto de me sentir prisioneira num espaço fechado, que morro de medo de andar no ar...

Olho a mala fechada junto à porta de entrada e respiro fundo... Lá dentro, muito pouco do que tenho viajará comigo... mas dentro do peito, todos os medos, todos os terrores que (ainda) não consegui vencer... E quando pisar o chão e olhar em volta a cidade, sei que vou respirar por fim e esquecer de novo o Rui e os seus estranhos disparates...

quinta-feira, 14 de abril de 2011

domingo, 10 de abril de 2011

Pai


Sentas-te à minha frente e a tua sombra interrompe-me o poema. Tiro os dedos do teclado e toco-te a mão, tão longe da minha, tão impossível de alcançar... Prendo-me aos teus olhos e precipito-me em queda livre no fundo dos dias esbatidos pela distância... Tu sorris-me daí, desse sítio onde te vejo, talvez, afinal, só dentro de mim. Tens o sorriso mais belo do mundo. E os teus olhos dizem anda e eu entro contigo no Land Rover, sento-me no teu colo e tu conduzes devagar, o jipe levantando uma nuvem de poeira vermelha, o ar seco e quente preso à nossa pele... Mostras-me o rasto dos bichos e as árvores enormes cheias de pássaros, bebemos uma limonada gelada pelo gargalo da garrafa e eu sujo o meu vestido branco bordado pela mamã... Tu não deixas de sorrir nunca, e abraças-me com força, prendes-me a ti, enrolas os teus dedos nos caracóis do meu cabelo e chamas-me pequerrucha...

O poema voltou. Os dedos regressam às palavras, o peito abre de par em par as portas de todas as memórias, mesmo as mais longínquas... Só tu não estás mais aqui.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

sábado, 2 de abril de 2011

Dia Internacional do Livro Infantil


Viver não é o bastante... deve-se ter brilho, liberdade e uma pequena flor.

Hans Christian Andersen

A data que hoje se assinala, coincide com o aniversário de Hans Christian Andersen que me deu a conhecer, como nenhum outro escritor, a magia dos contos de fadas. As minhas primeiras lágrimas de leitora aconteceram com "A Menina dos Fósforos", a mais bela história que o meu coração de criança conheceu nas páginas de um livro.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Um erro da memória


Descasco lentamente os gomos da memória... Com gestos de ternura tiro-lhes a casca e a pele e deixo-os então nus entre os meus lábios, como se fossem um fruto sangrando sumo. Viajo por fotografias antigas, os olhos como veleiros à bolina, navegando suspensos só naquilo que quero hoje recordar... A realidade confunde-me o norte e perdi-me já em tempos difusos, em minutos esbatidos que se desfazem no desmaiar poderoso da sétima vaga em que te recordo...

Preciso de ti. Preciso que me ajudes a encontrar a nitidez... Porque já não sei, já não me lembro se um tempo houve em que me beijaste a boca, ou se essa lembrança é um erro gravado nos negativos das fotografias da minha memória.