sexta-feira, 29 de julho de 2011

Do Amor

não te voltarei a ver. espera por mim
apenas no coração, onde
te farei sempre crescer e
onde, acima das minhas
forças, me trarás o amor e
a felicidade de um dia te
haver conhecido. bastar-me-ei
obrigatoriamente com isso, e
acreditarei que não enlouquecerás,
para exerceres a piedade de
fazer o mesmo por mim

valter hugo mãe, in Exercício do Bom Amor

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sempre tu

e tu
sempre tu
num prodígio de luz

a enlouquecer-me
as sombras

gil t. sousa, poesia

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Silêncio

Pousava as palavras no papel como se fossem andorinhas alinhadas nos beirais ao entardecer. Depois elas ganhavam vida, rodopiavam no céu do texto e conseguiam pintar a cor das sombras escorrendo pelos umbrais, ou o silêncio de um raio de sol refulgindo em volteios de luz no calcário das estradas. Gostava da escrita difícil, onde prendia o instante único de um sorriso que ilumina o rosto inteiro, a vertigem dentro do peito, o desabar de uma lágrima serena e secreta, que se prende e esmaga entre os lábios... Escrevia como amava, num impulso que arrasta o coração e o deixa por fim rasgado e aos pedaços, espalhado pelas frases, derramado nas palavras, tingindo com o seu sangue as linhas dos dias... Gostava da música das palavras, da água das palavras, do brilho das palavras.

Um dia decidiu deixar de escrever e calar-se para sempre. Porque um dia percebeu que as palavras também matam e ferem, arrasam e reduzem a pó...

Percebeu finalmente que as andorinhas são difíceis de apanhar também na escrita e que nenhum dos seus textos, por muito que tentasse, faria voar um coração humano.

E foi então que algo dentro de si escureceu e se silenciou para sempre.

terça-feira, 19 de julho de 2011

A mulher que prendia o vento

Algo nela a tornava diferente de todas as outras mulheres... Nem sequer era excepcionalmente bonita, pelo contrário, era de uma beleza vulgar, latina, visível no corpo torneado de formas femininas pronunciadas, no cabelo e nos olhos monotonamente castanhos, na boca pequena e de lábios finos. E no entanto, era uma mulher extremamente bela... Talvez fosse o sorriso, que lhe iluminava o rosto todo e lhe enchia os olhos de brilho e magia... Ou talvez as mãos, que dançavam em gestos lentos, desatados por uma música interior que só ela ouvia... Vinha daí, com toda a certeza, a invulgaridade daquela mulher. Sem o saber, na calma dos seus dedos, ao mais pequeno gesto, o mundo parava por instantes e ficava quieto a contemplar a doçura com que ela, sem o saber, prendia o vento.

É vosso!

terça-feira, 12 de julho de 2011

Tento não pensar



Tento não pensar. No que este dia significa para mim, no quanto é importante que tudo corra bem, que tudo corra como eu sonhei... Afasto as ideias que se aninham naquele cantinho do coração onde a responsabilidade pesa mais, não páro um só segundo, numa correria louca que me enche todos os minutos do dia. E ando feliz. Tudo foi escolhido ao mais ínfimo pormenor, não quero falhar, não quero desapontar o mar de amigos que sei se fará presente. Mas de repente, a insegurança, a transformar o chão que piso numa corda bamba colocada lá no cimo, nas alturas... É simples... Será uma noite única, uma noite mágica, e não quero deixar nada por dizer... E por isso, de repente o vestido não se ajusta às formas do meu corpo e a cor não favorece o tom da minha pele, os sapatos apertam-me os pés e não condizem com a mala, não consigo encontrar a cor exacta do verniz, os brincos não são tão bonitos como julgava, e a pulseira, que eu queria que se mantivesse presa no braço, escorrega até ao pulso num tilintar irritante... De repente está tudo errado, as palavras que quero dizer não são bem aquelas, o tom está emotivo demais, a voz vai falhar e as lágrimas cairão, sim, que eu bem sei... De repente, sou um poço de insegurança... Mas de repente também, chovem os e-mails, os telefonemas, as mensagens, os amigos fazem-se presentes e acarinham-me, e dizem que eu sou capaz... E de novo o sorriso... E a calma. Vai correr tudo bem, vai ser uma noite inesquecível no Diana Bar da minha cidade tão bonita... Uma noite em que por algumas horas, a Póvoa de Varzim será uma cidade que me abraça. Mas por agora, tento não pensar.

Recomeçar

E não se pode regressar ao começo porque já não existe esse sítio onde regressar.

Pedro Paixão

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Rir

Rir da vida insana. Rir do que já foi. Rir ao amar, ou pelo menos tentar. Rir da alma desnuda. Rir.

Graciele Gessner

terça-feira, 5 de julho de 2011

As sombras indizíveis

Às vezes páro para ouvir as vozes. Sobretudo quando se tornam ensurdecedoras, aquieto-me nas sombras, num minuto qualquer, cosido com a solidão, e escuto-as... Escuto-as enrolada num novelo de saudade sem pontas soltas do lado de fora de mim... Para que ninguém adivinhe que ainda não desisti de dizer todas as palavras que não podem ser ditas.