terça-feira, 25 de agosto de 2009

domingo, 23 de agosto de 2009

Estilhaços


Às vezes apetece-me entrar dentro do teu peito e roubar-te essa tristeza que te derruba e te cala a vontade da vida. Apertar-te muito fundo nos meus braços e trazer-te de volta desse castelo de solidão onde te encerras e te perdes nas tuas próprias memórias, onde vais anoitecendo a cada dia, com os olhos apagados de luz e perdidos como céus de inverno. Queria conseguir dizer-te que os teus mortos não voltam e que os teus vivos choram todas as lágrimas que guardas no coração... Às vezes, como hoje, fujo de ti para que não ouças a minha dor, para não erguer mais degraus na infinita escadaria da tua tristeza. Eras tão bonita, tão alegre...! Naquele tempo, que a vida nos roubou, cantarolavas enquanto demoradamente te arranjavas para sair e eu sentada na tua cama, observava-te fascinada e conversava contigo em francês... E como hoje, tento descobrir em que momento da estrada da vida é que desististe, é que te desfizeste em mil estilhaços...

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Amor é um lugar estranho


O Amor é um lugar estranho. Quando amamos, expomo-nos totalmente, ficamos indefesos e à deriva... porque o Amor fragiliza-nos, desnuda-nos. Obriga-nos a lutar com os nossos próprios fantasmas, a atravessar sombras e desfiladeiros gelados. Quando amamos sentimos medo, e é um medo cortante, uma lâmina intranquila apontada ao coração que muitas vezes não consegue evitar ferir-se. E muitas vezes sangra, esse coração desfeito.
Mas o estranho lugar onde o Amor mora, é feito de água e de luz pura. Nesse lugar tocam-se as estrelas, atravessam-se mares felizes de risos claros, agarra-se o vento nas mãos fechadas, ouve-se a música das palavras proferidas em silêncio. E podemos aprisionar a alegria na pele. Por Amor somos fortes, gigantes de coragem e de sonhos que não morrem.
São tão estranhas, as faces do Amor... Como é estranho, esse lugar onde o Amor habita...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A vida num sopro


Viver. Intensamente. Todos os dias. Andar descalça, correr atrás das ondas com algas enroladas nas pernas. Ouvir uma música e parar o tempo. Sentir um cheiro. Saborear uma pausa numa esplanada ao fim do dia. Sentir a brisa na pele do rosto. Beijar com paixão, abraçar com saudade, soltar com arrepio... A vertigem de uma lembrança secreta. Só minha. Escrever uma carta. Viajar para longe nas asas das palavras dos poetas. Entrar num texto. E ficar. Limpar uma lágrima. Gritar ao vento. Olhar à noite a lua vermelha de sonhos, mesmo que roubados. Prender um sorriso de sol no labirinto da memória. Desejo, em gestos lentos. Mergulhar no mar e abrir os olhos debaixo de água. Colher uma flor orvalhada. Andar à chuva. Sorrir, apesar de tudo. Perder-me no caminho. Uma palavra. Uma promessa. Uma loucura num impulso incontrolável. Esperar. Partir. Recomeçar. Acreditar. Dar porque sim. Sentir o coração descompassado em palavras há muito esquecidas. Sussurrar-te ao ouvido. Abraçar um filho. Caminhar de mãos dadas. Abrir uma janela e agarrar o vento nos cabelos. A calma. O silêncio. Deixar os olhos voar com as aves ao entardecer. Querer o avesso dos dias. Saborear a noite. Fechar os olhos para ver melhor. Sentir na pele. Amar. Incondicionalmente. Sonhar, sem medo da minha pequenez.
Porque a vida é um sopro... Viver. Intensamente. Todos os dias.

Prender o sonho


Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

Fernando Pessoa

domingo, 9 de agosto de 2009

Post secret


Tu não sabes, mas eu tenho coisas cá dentro que não sei contar-te. E sufocam-me. Estrangulam-me. Tu não sabes dos silêncios gelados no meu peito, que não consigo quebrar com palavras, porque nenhuma se solta na minha voz. E, sabes, às vezes também há no fundo de mim, algures correndo pelo meu sangue, um rio veloz e agitado que não desmaia em nenhuma foz... E eu afogo-me nesse rio intranquilo... muitas vezes. Tu não sabes, mas eu tenho sonhos... e sonho, por vezes, que tu consegues ler no avesso de mim, mesmo às escuras... mesmo no silêncio.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Confia. Eu sou romântica. Não falto.


Nada a fazer, amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí me espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

Natália Correia, O espírito

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

E as minhas duas mãos quebradas...


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quando for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles, Obra Poética

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A frio


Peguei no coração com cuidado e despi-o de todos os sonhos. Observei-o atentamente, demorei-me em cada nódoa de tristeza, nas cicatrizes de dor, nos fundos rasgões da saudade. Depois, lavei-o com a água dos meus olhos, esfreguei-o demoradamente com o áspero sal de todas as lágrimas e pu-lo a secar nas infinitas varandas da solidão. Batia-lhe o sol de mansinho, aquecendo-o de vida e força e coragem, e deixei-o ficar... num tímido pulsar, suavemente batido pelos ventos da mudança. Recolhi-o mais tarde, já seco e limpo, o meu coração...
Lavado a frio, agora está pronto para outras guerras, para mais batalhas onde de novo se ferirá... e voltará a ganhar vida, carregado de sonhos como na Primavera as árvores explodindo em flor, anunciam orgulhosas ao mundo os frutos saborosos que mãos humanas colherão... ou que ficarão apenas caídos por terra, sujeitos aos passos distraídos dos caminhantes que sem os notarem, farão deles chão para continuar viagem.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Palavras ouvidas


A cidade está deserta e alguém escreveu o teu nome em toda a parte.
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas. Em todo o lado essa palavra repetida, ao expoente da loucura.
Ora amarga, ora doce, para nos lembrar que o amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura.

Ornatos Violeta, Ouvi dizer