domingo, 26 de setembro de 2010

Cai o Outono em mim...


Entrou o Outono devagar
a erguer paredes de frio
e a encher o meu peito
de silêncios profundos...

Os dias recuam mais cedo
cedendo os passos às noites
ventosas e infinitas.
E quando baterem fortes
nas clarabóias da escadaria
ondem dançam
os fantasmas inquietos,
as primeiras chuvas tristes
encontar-me-ão perdida
num canto da casa,
enrolada para dentro de mim,
com os olhos vazios
de música e de palavras.

E ficarei assim,
com a memória dos dedos do sol
entrelaçados nos meus
até que finde este Outono
que cai em mim... devagar.

domingo, 19 de setembro de 2010

OITO


Porque é um número par, com um único dígito, como eu gosto. Porque é bonito, constituído por dois círculos que se fecham e eternamente se repetem, num eterno recomeço. Porque me faz lembrar dois rostos colados, encostando-se, beijando-se na boca. Ou os dois pratos de uma balança, onde pesamos o bem e o mal, os anjos e os demónios... Porque é um número que se repete em si, numa obstinação que me agrada... e sobrepõe dois anéis unidos numa estranha aliança. Porque o oito não tem cimo nem baixo, certo ou errado. O oito é um número fechado, como um casulo, uma concha ou um ninho... e parece o par de algemas que me prende aos sonhos...
O oito foi o primeiro número que os meus dedos de criança aprenderam a desenhar... E é o único algarismo que mesmo tombado, pende para o infinito...
Está decidido.
Serão oito.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Do desânimo


Nada de desgosto nem de desânimo; se acabas de fracassar, recomeça.

Marco Aurélio

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Os portões da saudade


Atravesso os portões da saudade para te encontrar. Não sei porquê. Talvez por ter sonhado contigo esta noite. Há muito que não acontecia e acordei triste e vazia, com um frio estranho encostado à pele... Ouvia ainda a tua voz, ecoando do fundo das encruzilhadas do meu sonho... Ouvi-a toda a manhã... Tu sabias como fico nervosa no primeiro dia de aulas, tu entendias o nó no meu estômago quando eu te contava e nunca rias das minhas pernas que tremiam. Depois fazias-me um chá que eu odiava mas que engolia em silêncio para não te desapontar. E tu não sabias, mas não era o chá que eu bebia, era o teu amor dentro da chávena, um amor que me estendias no peito e ia comigo para a escola, ficava dentro de mim a manhã inteirinha até as minhas pernas pararem de tremer, até o estômago se apaziguar...
Esta noite, no meu sonho, não te vi. Só lá estavam as tuas mãos, com o anel de prata que nunca tiravas, brilhando muito no anelar esquerdo... Só as tuas mãos, do tamanho da minha saudade... As tuas mãos macias e meigas, segurando no escuro que me devorava, uma chávena de chá quente, adoçado com açucar mascavado.

domingo, 12 de setembro de 2010

A posse do mar


Vou tentar explicar-te:
é como se agarrasse nas mãos
a espuma salgada das ondas
quando o meu coração
deseja afinal
possuir o fundo dos oceanos.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Da prudência


Don't make decisions when you're angry. Don't make promises when you're happy.

Autor desconhecido

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Noites de sangue e de silêncio


Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.

Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.

Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.

Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.

Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.

Natália Correia, A Recusa das Imagens Evidentes

sábado, 4 de setembro de 2010

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Talvez alma


Agora estamos sós nesta viagem
onde os mapas secretos do meu corpo
te dão uma por uma as coordenadas
da ilha a emergir na madrugada
chamada concha ou alma, ou talvez nada.

Rosa Lobato de Faria, Poemas Escolhidos e Dispersos

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Era Setembro e entardecia


Fecho os olhos para ver melhor. E numa doçura infinita, escorrem imagens dentro de mim que o tempo jamais roubará... Pintei-as com o sal de lágrimas felizes, como uma emoção qualquer aprisionada numa fotografia. Era Setembro e entardecia. E nos meus olhos fechados, como asas de aves, dançam poemas que se calhar nunca foram ditos... e não era necessário... Porque no silêncio macio a única voz possível é a do coração. Era Setembro e entardecia... Ouço o ruído dos passos calcando a madeira gasta do passadiço sobre o areal e o vento que sinto nos olhos que fecho, é morno e cheira ao azul do mar... Ao lado do meu, o bater do teu coração que em silêncio sorria e sussurrava sílaba por sílaba, uma palavra... Uma só palavra. E era uma palavra sagrada que se enterrava no coração e pulsando entre nós, ganhava força, se agigantava, eternizando-se no sal, no azul e no vento, daquele Setembro que entardecia...