Que dias há que na alma me tem posto/ um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê. - Luiz Vaz de Camões
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
domingo, 30 de dezembro de 2012
Mamã...
As mães sobem uma escada até ao céu,
sobem e descem a escada longa dos filhos;
as mães olham para cima, firmam as mãos na escada
e pensam com os olhos. Ficam de pé - morrem de pé
se for preciso - a pensar as estrelas. Cada uma delas
é um pulmão jovem, um alvéolo inviolável.
As mães crescem com os anos, tornam-se ramos
a baloiçar na escada: são perenes, persistentes
e mansas. As mães abrigam os pássaros no olhar,
tomam-nos nas mãos como oferta sagrada
e soltam-nos do alto da escada: voam, voam,
crescem contra as nuvens e são água, espuma,
exílio azul. Os filhos são os olhos das mães, aflitos
e saudáveis, à espera que floresça a flor fria
da amendoeira. Os olhos partem para regressar a si.
Nuno Higino
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
Como uma chuva...
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Rainer Maria Rilke
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
Da Amizade
Os amigos não morrem: andam por aí, entram por nós dentro quando menos se espera e então tudo muda: desarrumam o passado, desarrumam o presente, instalam-se com um sorriso num canto nosso e é como se nunca tivessem partido. É como, não: nunca partiram.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
FELIZ NATAL!
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira, "Natal e Não Dezembro" (excerto)
domingo, 23 de dezembro de 2012
Quando o Natal se nos pousa na alma
Um pássaro a cantar na laguna estagnada
Frutos no capitel de uma coluna exangue
É assim que o Natal se nos pousa na alma
É assim que o Natal tem um gosto a laranja
E ficamos os dois de mãos dadas entrelaçadas
E filtramos a luz e a sombra deste instante
É assim que o Natal nos vai enchendo a taça
É assim que o Natal nos aperta a garganta.
David Mourão-Ferreira, "Toada de Natal" (excertos)
sábado, 22 de dezembro de 2012
É quase Natal!
Sinto saudades do sol... Mas hoje, este vento cinzento e quase morno arrasta consigo um cheiro a Natal, que como um abraço, envolve a cidade em serenidade e paz!
(Ou será de mim...?)
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Agora escrevo pássaros
Agora escrevo pássaros.
Não os vejo chegar, não escolho, de repente estão aí,
um bando de palavras a pousar
uma por uma
nos arames da página,
entre chilreios e bicadas,
chuva de asas,
e eu sem pão para dar,
tão somente deixo-os vir.
Talvez seja isto uma árvore,
ou quem sabe,
o amor.
Julio Cortázar
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Cá dentro
Um nome para o que sou importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
O que eu gostaria de ser era uma lutadora. No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e a palavra que o exprima.
É pouco. É muito pouco.
Clarice Lispector, in Aprendendo a viver (Texto com supressões)
domingo, 16 de dezembro de 2012
A Arca dos Medos
Ela apertou até acima o fecho do impermeável negro e pensou que provavelmente ia cair. Acreditou que as pernas não suportariam o peso do seu cansaço, da sua dor, da sua tristeza tão indizível, tão funda... Depois deixou que o seu corpo se encostasse aos braços que a amparavam e que não sabia de quem eram... Talvez fossem de alguém que a amava, mas não sabia, não conseguia perceber. Sentia vagamente a chuva atravessar-lhe a roupa e gelar-lhe a pele, percebeu que tremia e que dentro de si não havia mais nada. Perto de si alguém rezava, era uma ladaínha triste e fúnebre que se confundia com o vento cortante, com a chuva, com as lágrimas. A mulher sentia-se exausta e perdida, desejou fugir e no entanto sabia que era necessário permanecer ali até ao fim, debaixo do vendaval. Sabia também que naquele dia, em que se abrira a arca dos medos, o sol não nasceria e seria sempre noite durante muito tempo... Sabia que em breve seria Natal e que desta vez haveria à mesa muita dor e um lugar inconsolavelmente vazio... Sabia que poderiam passar muitos meses, anos até, mas continuaria a ouvir dentro de si o ruído das pazadas cheias de terra molhada e fria que caíam impiedosamente sobre a urna da mãe e que ecoavam como trovões no silêncio gelado do cemitério.
A mulher tinha perdido o colo. A arca dos seus medos estava aberta. Sem conseguir resistir mais, ela ajoelhou-se finalmente. E em queda livre, com o olhar cego e os braços abertos, caiu aos trambolhões dentro de si.
domingo, 21 de outubro de 2012
O perfume dos dias
E de repente passaram cinco anos. Cinco anos de vida nas páginas deste blogue. Tanta vida, afinal, dentro da minha vida. Tantos dias dentro dos meus dias. O perfume dos meus dias. Há tanta coisa dentro da memória, no rasto de perfume que me fica da vida... Um poema rasgado, um caderno proibido, a palavra que nunca se chegou a dizer. O som de um piano numa infinita sonata a duas mãos. Um dia de chuva, uma manhã de sol. O cheiro salgado do mar, o voo de uma gaivota... Uma árvore no meio de um bosque, um vestido vermelho. Uma música que se sabe de cor, um texto que se escreve de olhos fechados. Um filme. Um cão negro que se chegou a amar. Um abraço sem fim, uma morte inesperada. Uma rua, uma dor, um gesto desfeito, um silêncio. A esperança roubada, os sonhos traídos, a vontade e a coragem de tentar de novo. As portas fechadas, as lágrimas e o riso, o sono e os fantasmas que nos moram no peito. Um grito amordaçado, uma caminhada na praia deserta. Um búzio branco, uma mão cheia de beijinhos, um cigarro fumado devagar... Uma cerejeira plantada atrás das montanhas, um peito em ferida. Um ramo de rosas. Um livro com o meu nome, um poema num concurso, as crónicas num jornal... Uma tese sobre um poeta que se quis amar, um romance inacabado. Um pensamento ao qual se regressa. Um medo, um tiro nas costas, o coração aos pedaços que se esconde do mundo... A voz que me roubaram. Os dedos a desdobrar ternuras. A vontade de ser feliz. A família, os amigos, os meus mortos. O meu ninho. O meu mundo de afetos e de sonhos. Pegadas de mim, sangue e bocados de mim. A minha voz, o meu sorriso, mesmo quando julgo tê-lo perdido. O nunca mais. O para sempre.
Aos que por aqui vão passando por acaso, aos que sempre voltam, aos que me acarinham com palavras, aos que me brindam com afetos, o meu muito obrigada! Não sei o que o amanhã trará, não sei se aqui voltarei algum dia... Para já, cinco anos depois de a ter aberto, fecho esta janela que se debruça sobre o que guardo cá dentro. Se não nos voltarmos a encontrar, fica o meu "Até sempre!" e o meu ponto final.
Ana Paula
sábado, 20 de outubro de 2012
Manuel António Pina: 1943-2012
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.
Manuel António Pina, "Não o Sonho" in Atropelamento e Fuga
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Ser oceano
E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece, porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas de tornar-se oceano.
Osho
Chuva rima com saudade
Chove...
Tomba a minha mão sobre o poema
e os versos têm os olhos rasos de mar
Chove...
Esta noite, planam gaivotas silenciosas
no céu de todas as minhas palavras
Chove...
Há um búzio no meu peito escondido
e no papel rasgado, chuva rima com saudade...
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Não fales...
Toca-me. Não fales. Eu invento
as palavras que os deuses não merecem.
as palavras que os deuses não merecem.
Joaquim Pessoa, in Os Olhos de Isa
domingo, 7 de outubro de 2012
Da (minha) Felicidade
Sim, a felicidade é isto... Chegar ao fim de um longo caminho, bater com suavidade a porta atrás de nós, respirar fundo, descalçar os sapatos e massajar os pés feridos e cansados da viagem... Depois, sentarmo-nos no chão e ficarmos apenas a ouvir o bater tranquilo do coração... Sentir a vida a pulsar forte debaixo da pele, ter este sorriso teimoso nos lábios e os olhos cheios de luz, uma luz que não se apaga... Felicidade é isto... Chegar. Chegar aonde não acreditamos que fosse possível, chegar depois de termos pensado que não conseguiríamos... Ter os pés em sangue e o corpo vergado pelo cansaço, descobrir que envelhecemos... Mas saber que depois de termos chegado aqui, poderemos chegar aonde quisermos porque os caminhos já não nos assustam... O mundo já não nos assusta e somos capazes de qualquer viagem. Felicidade é isto: chegar a um sítio onde nos esperam os que amamos, aqueles que acreditaram, mesmo quando os caminhos eram de solidão. Partimos sós mas à chegada temos a quem abraçar, quem nos esperou sem desistir enquanto rompíamos a pele em fundas feridas no pó das estradas...
Hoje cheguei ao fim de uma longa e dura viagem. Uma viagem de três anos, sofrida, doída, que me pareceu impossível de terminar. Tropecei muitas vezes, caí algumas mais, tombei de bruços e ali fiquei, como uma ave sem asas... Senti-me muitas vezes só, profundamente só... Senti-me muitas vezes perdida e derrotada, arrastada num vendaval como uma mariposa às cegas rodopiando em infinitas voltas... Senti muitas vezes que não valia a pena tanta abnegação, tanto sacrifício... Por isso, este brilho de sol que hoje mora em mim, dentro dos meus olhos, que me baila nos lábios nesta dança tão doce... Cheguei. Estou cansada, mas estou feliz. Hoje, cheia de marcas e feridas e cicatrizes, sei que entreguei nesta viagem as minhas lágrimas, o meu sangue, a minha pele e a minha carne. Sim, a felicidade é isto... entregar o coração a um sonho e descobrir que o coração não se esgotou, que cresceu, se agigantou, que está sereno e cheio só de amor e coisas boas...
Por isso, esta noite entrego aos que amo este coração feliz que bate quente nas paredes do meu peito... Dou-lhes o meu sorriso mais doce, e brindo à vida. De pés descalços, beijo e abraço os que me ajudaram a chegar aqui.
Obrigada por não me terem deixado desistir. Obrigada por me terem esperado. Obrigada por me terem amado tanto...!
sábado, 6 de outubro de 2012
Hoje...
o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.
as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.
entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.
hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.
trovão de céu sobre a montanha.
as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.
entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.
hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.
José Luís Peixoto, in A Casa, A Escuridão
Destino do amor triste
Longuíssimos braços têm
os olhos que tudo abraçam.
Somente, só os olhos vêem
os olhos que por mim passam.
Clandestinamente os lanço,
braços de mar, olhos de água.
Longo ser líquido avanço,
abraço a vida, e alago-a.
Destino do amor triste
que não se ouve nem se vê.
Ama apenas porque existe.
Não sabe a quem nem porquê.
Nesta obrigação de estar
que a cada um de nós cabe,
coube-me esta de amar.
E ninguém sabe.
os olhos que por mim passam.
Clandestinamente os lanço,
braços de mar, olhos de água.
Longo ser líquido avanço,
abraço a vida, e alago-a.
Destino do amor triste
que não se ouve nem se vê.
Ama apenas porque existe.
Não sabe a quem nem porquê.
Nesta obrigação de estar
que a cada um de nós cabe,
coube-me esta de amar.
E ninguém sabe.
António Gedeão, "Rio Triste" in Poesia Completa
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
Palavras sublimes
Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.
Maria do Rosário Pedreira, "Os Nomes Inúteis" in Nenhum Nome Depois
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Tão dentro e sempre aquém
Gostava de morar na tua pele
desintegrar-me em ti e reintegrar-me
não este exílio escrito no papel
por não poder ser carne em tua carne.
Gostava de fazer o que tu queres
ser alma em tua alma em um só corpo
não o perto e o distante entre dois seres
não este haver sempre um e sempre o outro.
Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum
tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém
seremos sempre dois sendo só um.
Por isso esta ferida que faz bem
este prazer que dói como outro algum
e este estar-se tão dentro e sempre aquém.
por não poder ser carne em tua carne.
Gostava de fazer o que tu queres
ser alma em tua alma em um só corpo
não o perto e o distante entre dois seres
não este haver sempre um e sempre o outro.
Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum
tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém
seremos sempre dois sendo só um.
Por isso esta ferida que faz bem
este prazer que dói como outro algum
e este estar-se tão dentro e sempre aquém.
Manuel Alegre in Sete Sonetos e Um Quarto
Não importa...
Tudo desde sempre. Nunca outra coisa. Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.
Samuel Beckett
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Pedra, orvalho, flor ou nevoeiro
Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca se entenderam. (...) A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. (...) Vivo a natureza integrado nela, de tal modo que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno...
Miguel Torga, in Diário II
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
Do Tempo
O Tempo, ainda que os relógios queiram convencer-nos do contrário, não é o mesmo para toda a gente.
José Saramago
domingo, 30 de setembro de 2012
Adeus
Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou se preferes, a minha boca nos teus olhos,
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve - e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite se viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde o teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens,
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.
ou se preferes, a minha boca nos teus olhos,
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve - e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite se viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde o teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens,
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.
Eugénio de Andrade, "Adeus" in As Palavras Interditas
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
terça-feira, 25 de setembro de 2012
Palavras tristes
Mãe, eu quero ir-me embora — a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram —
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.
Mãe, eu quero ir-me embora — os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim — tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.
Mãe, eu quero ir-me embora — nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique —
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito
como uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.
Mãe, eu vou-me embora — esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua — a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste que um dia chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.
Mãe, eu quero ir-me embora — os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim — tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.
Mãe, eu quero ir-me embora — nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique —
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito
como uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.
Mãe, eu vou-me embora — esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua — a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste que um dia chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.
Maria do Rosário Pedreira, in O Canto do Vento nos Ciprestes
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
Água e estrelas...
Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um só mel derrotados.
Pablo Neruda
sábado, 22 de setembro de 2012
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
O dia principia
Acordo. Dormes ainda.
Que fazer se me apetece?
Pego na tua mão
e pouso-a onde estou vivo.
Respiras. Andantino.
As costas para mim. Não resisto.
Os dedos, leves, ensalivados,
vão à procura do grão, do seu
pólen. Vão e vêm, vou e venho.
Beijo-te no ombro. Sorris.
Dormes ainda? Subitamente
abres os olhos e abres a boca
e debruças-te sobre mim.
O dia principia.
e pouso-a onde estou vivo.
Respiras. Andantino.
As costas para mim. Não resisto.
Os dedos, leves, ensalivados,
vão à procura do grão, do seu
pólen. Vão e vêm, vou e venho.
Beijo-te no ombro. Sorris.
Dormes ainda? Subitamente
abres os olhos e abres a boca
e debruças-te sobre mim.
O dia principia.
Casimiro de Brito, "89" in Amar a Vida Inteira
Um beijo...
Sumo na vida
é o que eu te desejo
rumo na vida
um beijo
um beijo
(Não estás sozinha... sabes?)
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
Música de açúcar a meio da tarde...
Deixei contigo o meu amor,
música de açúcar a meio da tarde,
um botão de vestido por apertar,
e o da vida por desapertar,
a flor que secou nas páginas de um livro,
tantas palavras por dizer
e a pressa de chegar,
com o azul do céu à saída.
por entre cafés fechados e um por abrir.
Mas trouxe comigo o teu amor,
os murmúrios que o dizem quando os lembro,
a surpresa de um brilho no olhar,
brinco perdido em secreto campo,
o remorso de partir ao chegar,
e tudo descobrir de cada vez,
mesmo que seja igual ao que vês
neste caminho por encontrar
em que só tu me consegues guiar.
Por isso tenho tudo o que preciso
mesmo que nada nos seja dado;
e basta-me lembrar o teu sorriso
para te sentir ao meu lado.
um botão de vestido por apertar,
e o da vida por desapertar,
a flor que secou nas páginas de um livro,
tantas palavras por dizer
e a pressa de chegar,
com o azul do céu à saída.
por entre cafés fechados e um por abrir.
Mas trouxe comigo o teu amor,
os murmúrios que o dizem quando os lembro,
a surpresa de um brilho no olhar,
brinco perdido em secreto campo,
o remorso de partir ao chegar,
e tudo descobrir de cada vez,
mesmo que seja igual ao que vês
neste caminho por encontrar
em que só tu me consegues guiar.
Por isso tenho tudo o que preciso
mesmo que nada nos seja dado;
e basta-me lembrar o teu sorriso
para te sentir ao meu lado.
Nuno Júdice, "O que temos" in O Estado dos Campos
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Os lugares voadores
Os lugares não se comparam. Como as pessoas, cada um deles acontece num momento único, numa única e irrepetível vida.
Mia Couto, in Pensageiro Frequente
terça-feira, 18 de setembro de 2012
Teoria das nuvens
As nuvens desenham figuras.
O céu em volta das nuvens desenha figuras.
Os olhos desenham sempre figuras no céu.
Os olhos desenham sempre figuras no céu.
Pedro Mexia, "Três Teorias" in Duplo Império
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
Todas as mortes gastei
Todas as vidas gastei
para morrer contigo.
E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.
Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só os meus dedos murcharam, decepados.
Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só os meus olhos se desfizeram, redondas cinzas.
Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?
Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.
Todas as mortes gastei
para viver contigo.
E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.
Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só os meus dedos murcharam, decepados.
Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só os meus olhos se desfizeram, redondas cinzas.
Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?
Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.
Todas as mortes gastei
para viver contigo.
Mia Couto, "Sem depois" in Idades Cidades Divindades
sábado, 15 de setembro de 2012
Filhote...
Conduzo devagar e o carro ronrona no asfalto quente com os vidros abertos para não sufocarmos nesta manhã abrasadora de verão tardio. Paramos no sinal vermelho e eu dou-te a mão, como tantas vezes faço, enlaço os meus dedos nos teus nesse gesto de ternura familiar que é a minha mão entre as tuas. Hoje as tuas mãos já são maiores do que as minhas, são umas mãos bonitas e grandes, harmoniosas e elegantes, como as do meu pai... Sem te olhar, sinto-te a presença calma a meu lado, tão serena, tão reconfortante... Sinto o cheiro suave do teu aftershave, um aroma fresco de que gostas tanto e que te ofereceram no aniversário, que vem com a brisa pelas janelas abertas e me bate na pele e na memória. Conduzo devagar e em silêncio, assim só de mão dada contigo, os nossos dedos misturados... e sinto o coração subitamente apertado porque sei que é o último ano que te terei assim, tão próximo de mim. Penso, de repente, que para ano já não partilharemos a mesma escola, que a vida te vai obrigar a fazer escolhas e a partir, primeiro para outra cidade, depois talvez para outro país... Penso que não te terei mais assim, o teu corpo grande descontraído a meu lado, os olhos fechados e os phones nos ouvidos, livre na música do teu próprio mundo... Penso na falta que me farás, penso que não mais nos cruzaremos nos corredores, que não te verei nos intervalos, que ao final das aulas não estarás encostado ao carro, à minha espera, com o teu sorriso de sol, esse sorriso que te ilumina todo e te enche de brilho... E lembro-me então do primeiro dia em que te levei à escola, tão pequenino, a rebentar de ansiedade, e te entreguei à professora com o coração apertado... Lembro-me de que olhaste para trás, me atiraste um beijo e me disseste - Não te preocupes, eu vou gostar muito, mamã... - (Onde estão todos estes anos, para onde voaram tão depressa, onde os perdi...?)
Chegamos finalmente... E tu guardas os phones, pegas na mochila, refaço as recomendações do costume, abraço-te e ouço-te dizer, tão meigo, tão doce - Boa sorte com os teus alunos, mamã... Não fiques nervosa, vai correr bem, como sempre! - Baixo os olhos para que não me vejas as lágrimas e vejo-te partir ao encontro dos amigos no teu passo seguro e sereno. Vejo-te reencontrar o teu grupo, a tua turma, ouço as risadas alegres e sei que para o ano não estarás aqui, a sossegares-me no primeiro dia de aulas, a acalmares-me o estúpido nervosismo de sempre, com o teu maravilhoso sorriso de sol a encher o meu coração de luz.
(Deixo um abraço a todos os meus visitantes... É bom estar de volta... !)
sábado, 25 de agosto de 2012
Ponto final
Agosto vai tombando mansamente numa doçura de poentes cor de sangue... Os dias baloiçam devagar, diluindo nas horas que escorrem, indiferentes à pressa, todas as angústias que o coração carregou o ano inteiro...
Em Agosto não há tempo nem urgências... e é o mês de todas as resoluções. Agosto espreguiça-se em dias claros e em noites mornas e cheias de brilho, em madrugadas tranquilas embaladas no canto das cigarras e dos grilos que parecem nunca dormir... É o mês das marés vivas, do mar irado que sobe no areal, do nevoeiro matinal e das chuvas mornas, da ronca a acordar a cidade e a fazer-se ouvir por cima da dolência das badaladas do sino da igreja...
Há uma paz única em Agosto, no pulso sem relógio, no despertar lento e preguiçoso, na evasão das leituras adiadas, nos passeios à beira-mar quando a cidade escurece lentamente, nas conversas arrastadas em esplanadas rasgadas de sol e de risos. Em Agosto todos os dias são meus, todos os instantes me pertencem. É o mês da solidão, tão boa, que desenha escadas em caracol até ao poço mais fundo no fundo de mim. É o mês das memórias, dos planos e das decisões tomadas com um sorriso e com o coração pacificado.
É possível parar em Agosto. É possível comprar um gelado de tangerina e menta e saboreá-lo junto ao mar, em passos lentos, talvez ouvindo cá dentro uma música eterna, um texto que me comove ou um poema inesquecível... É possível fotografar o mar, aprisionar na câmara o tombar das ondas, o enrolar e desenrolar do azul, a explosão fria da espuma... Em Agosto escrevem-se poemas e colocam-se pontos finais, como uma casa onde fomos felizes e que finalmente arrumamos... E quando suavemente batemos a porta atrás de nós, sabemos que é possível recomeçar em paz. Sabemos, cá dentro, que por mais difícil que tenha sido, conseguimos colocar o ponto final.
(Eu regresso em breve, até já...)
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
E é querer tanto...
queria de ti o mar de uma rosa de espuma
Mário Cesariny, in Poemas
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Segredo
Nem o Tempo tem tempopara sondar as trevas
deste rio correndo
entre a pele e a pele
Nem o Tempo tem tempo
nem as trevas dão tréguas
Não descubro o segredo
que o teu corpo segrega
David Mourão-Ferreira, "Segredo" in Música de Cama
terça-feira, 21 de agosto de 2012
Palavras roubadas
Júlio Verne
domingo, 19 de agosto de 2012
Da amizade
São os silêncios que fazem verdadeiras conversas entre amigos. O que conta não é o que é dito, mas o que nunca é necessário dizer.
Autor desconhecido
(Obrigada, Lídia! Tenho medo, sabes? Não largues a minha mão...)
sábado, 18 de agosto de 2012
Vou por onde não há caminhos
Só amei o que tinha fim e tudo o que amei se eternizou. Vou por onde não há caminhos - só no fogo deixo pegada.
Mia Couto
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
Palavras de Sol
Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in Poesia
terça-feira, 14 de agosto de 2012
Não me deixes
Não me deixes
antes que o lado Sul do vento
me venha buscar,
fica e deixa-me contar
uma história
sobre as estradas
onde se escolhe o caminho,
de mãos agarradas
ao cajado,
livres,
de pés andarilhos
compassados do destino
que nasce de dentro
da força de cada jornada.
Não me deixes
enquanto fores amarra
deste cais
onde o meu barco
repousa, inquieto.
Não me deixes
que preciso dos teus beijos
e a minha boca
fala de dentro de ti
com o sabor das palavras
que te amam
me venha buscar,
fica e deixa-me contar
uma história
sobre as estradas
onde se escolhe o caminho,
de mãos agarradas
ao cajado,
livres,
de pés andarilhos
compassados do destino
que nasce de dentro
da força de cada jornada.
Não me deixes
enquanto fores amarra
deste cais
onde o meu barco
repousa, inquieto.
Não me deixes
que preciso dos teus beijos
e a minha boca
fala de dentro de ti
com o sabor das palavras
que te amam
Jorge Bicho, "Não me deixes" in Por dentro Das Palavras
Roubado ao tempo
Ninguém, em verdade, viaja para uma ilha. As ilhas existem dentro de nós, como um território sonhado, como um pedaço do nosso passado que se soltou do tempo...
Mia Couto, in Pensageiro Frequente
sábado, 11 de agosto de 2012
Num sossego azul
Não lhe pedi que viesse. Pedi-lhe só que às dez da noite, e pela última vez, a sua lembrança me esperasse ao caminho. Cheguei cedo e sentei-me. Quando soasse a hora, eu queria senti-la ao pé de mim, não bem no seu corpo, não bem nas suas palavras, mas apenas naquele sossego azul que tornava o mundo perfeito. No momento combinado, eu havia de respirar o sonho de quando não sabia que era sonho.
Tudo isto está errado. Vejo-lhe daqui o erro fechado e exacto como um cubo de pedra. Mas sei que lá dentro não há erros de fora. Por isso, espero. Não lhe pedira que viesse. Também não tinha pedido a Lua, e a Lua veio, precisamente, quando pensei que era bom haver Lua. Não fiquei pois surpreendido, quando, à hora marcada, no caminho que vai à fonte, Marta apareceu tão leve como a sua lembrança. Percebi então que as mimosas rescendiam através da noite sem medos. E que havia em roda pinheiros e veios de água e que eu estava ali no meio de tudo.
Vergílio Ferreira, "Adeus" in Apenas Homens e Outros Contos
Presente indicativo, artigos às escuras
Tento empurrar-te de cima do poema
para não o estragar na emoção de ti:
olhos semi-cerrados, em precauções de tempo
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.
Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir...
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio de chão sem texto que é ausente de ti?
E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?
Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.
olhos semi-cerrados, em precauções de tempo
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.
Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir...
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio de chão sem texto que é ausente de ti?
E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?
Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.
Ana Luísa Amaral, in Coisas de Partir
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
Jorge Amado: 10 Agosto 1912 / 06 Agosto 2001
A noite é para o amor...
Vem amar nas águas, que a lua brilha...
Como é doce morrer no mar...
Jorge Amado, in Mar Morto
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
Palavras de fogo
Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar
os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta
aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.
Porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve
abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar
os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta
aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.
Porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve
abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.
Eugénio de Andrade, "Nas ervas" in Chuva sobre o Rosto
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