sexta-feira, 29 de maio de 2015

Polónia


A encerrar o ano letivo, parto para a Polónia onde alunos e professores me esperam na imperial cidade de Varsóvia.

Até já :)

quarta-feira, 27 de maio de 2015

A primeira vez


E tu...? Quando foi a última vez que fizeste uma coisa pela primeira vez?

Tudo o que eu te dou


Por vezes forte, coragem de leão
Às vezes fraco, assim é o coração
(...)

Pedro Abrunhosa, in "Tudo o que eu te dou"

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Da Morte


Deixei de ouvir-te. E sei que sou
mais triste com o teu silêncio.

Preferia pensar que só adormeceste; mas
se encostar ao teu pulso o meu ouvido
não escutarei senão a minha dor.

Deus precisou de ti, bem sei. E
não vejo como censurá-lo

ou perdoar-lhe.


Maria do Rosário Pedreira, in Poesia Reunida

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Crónicas do Vento Salgado


Lentamente, a praça enche-se de sol e de ruído. No único banco sem sombra só estou eu, nas mãos - aninhados - os poemas de Herberto Helder, nos olhos o mel dourado das suas palavras... De repente uma bola azul e branca tomba-me no colo, umas mãos pequeninas vêm reclamá-la e uma voz tímida sussurra um Obrigado! quando a devolvo. Regresso aos poemas já menos concentrada: junto do banco pombas e pardais bicam restos de pão, lutam por um quinhão de croissant com chocolate que abandonam em fuga espavorida, tentando pôr-se a salvo da rota da correria doida de um cão... Devolvo a bola ao miúdo outra vez e outra e mais uma ainda... E agora os Obrigados trazem gargalhadas que rebrilham à luz morna da manhã como cascatas de água cristalina. 
Desisto: fecho o livro e abro o caderno dos apontamentos... Na folha branca nasce-me, sem avisar, um poema parolo onde sol rima com bola, com criança e com ave... Tenho a certeza que, de dentro do seu maravilhoso livro, com um sorriso condescendente, o Herberto Helder me perdoa o mau gosto... 
Fecho os olhos e viro o rosto para o sol. Pela quinta vez, tenho uma bola azul e branca nas mãos. Sorrio. Decididamente, gosto de praças cheias de sol e pombas, com cães a correr e crianças a jogar à bola.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Cá dentro


Sonhei contigo esta noite. Vestias uma camisa branca de linho e eu via, caído sobre o teu peito, o fio de prata oferecido pela tua madrinha e que uso às vezes, quando sinto muito, muito a tua falta. Estávamos sentados, lado a lado e de mãos dadas, no cimo da montanha da casa da avó, em Trás-os-Montes. Tínhamos os pés descalços sujíssimos de pó e a terra estava morna, macia. Ríamos muito, felizes. Entardecia sobre o rio e tu puseste o teu braço sobre os meus ombros enquanto sorrias o teu sorriso de sol. Só nós, abraçados, atirando gargalhadas à montanha, os pés na terra, os olhos perdidos na correnteza escura do rio. Eu quase ouvia - juro! - muito forte, o bater do meu coração.

(Gosto de sonhar contigo, como se fosse a única forma de te resgatar na minha vida... Às vezes também sonho com a saudade infinita que tenho de ti... e é um sonho feliz, mesmo assim).

quarta-feira, 6 de maio de 2015

As coisas que se dizem


Almoçavam na mesa ao lado da minha: fatos escuros de bom corte, gravatas clássicas, relógios caros, telemóveis topo de gama. Executivos, arriscaria dizer. Falavam baixinho e era talvez essa a nota dissonante naquele restaurante barulhento e apinhado de jovens estudantes, que cheira a gordura e despacha o baratíssimo prato do dia à velocidade da luz. Não, não foi o aspeto deles que me atraiu mas a forma como conversavam... E eu que adoro roubar conversas - e almas, às vezes - tentei escutar o que diziam por entre o tinir dos talheres, o ruído da televisão, o gargalhar contínuo e os berros dos estudantes. Não era de negócios que falavam e de vez em quando eu apanhava uma palavra, pedaços de frases, retalhos da conversa que me fazia companhia... - Mas ela disse-te mesmo isso??!! - e o olhar do outro pousado na mesa coberta com uma toalha de papel, onde as mãos cegas e à toa rabiscavam misteriosos desenhos infantis... A desolação nos olhos do desenhador, o consolo nas palavras do primeiro - Ó pá, deixa lá, não fiques assim, isso são coisas que se dizem... Veio o café, veio o silêncio antes de o homem que desenhava responder devagar: - Não são as coisas que se dizem, é a maneira como se dizem as coisas, entendes?
Dei comigo a dar-lhe razão. A pensar que as palavras podem ser balas e despedaçar peitos, esbofetear violentamente, se as atiramos furiosas ao rosto de quem nos ouve; pensei que as palavras, muitas vezes, são murros que abatem os que nos escutam, são pedras que ferem e rasgam e fazem feridas que cicatriz nenhuma fechará... Pensei que as palavras, quando embrulhadas em rancor ou desprezo, cuspidas com ódio, são um poderoso armamento na mais injusta das guerras: a guerra do verbo.
Levantei-me para sair e o homem que desenhava rabiscos na toalha olhou-me por ligeiríssimos segundos que o seu relógio caro teria registado, um instante apenas, que espero fosse suficiente para ele ter conseguido ler nos meus olhos a única coisa que me apetecia dizer-lhe: - Sim, eu entendo.

domingo, 3 de maio de 2015

Crónicas do Vento Salgado


Tirei a senha de atendimento e fiz as contas: a lista de espera era de 38 pessoas. Hesitei. Desesperei. Sabia que não podia virar costas e ir-me embora, tinha mesmo de esperar para ser atendida. A sala abarrotava de gente tristonha, ensimesmada, conformada até... O ar era irrespirável, abafado, cheirava a roupa molhada, a chuva e a mofo. Ouvia-se tossir, o choro impaciente de crianças, de vez em quando rasgado pela voz dura e metálica dos funcionários ao balcão... Não havia um único lugar sentado e as pessoas encostavam-se às paredes, de olhar vazio. Olhei o relógio, calculei mentalmente o tempo de espera e decidi sair, esperar lá fora, à chuva, com o vento a bater-me no rosto. 
Ela estava junto à porta, cosida com o vidro, embrulhada num xaile de lã cinzento que fazia cruz no peito e se prendia com uma laçada sobre os rins. Era velha, muito velha. Tinha o rosto e o cabelo molhados pela chuva miudinha atirada pelo vento frio, as mãos enrugadíssimas seguravam um molhe de rosas brancas, tristes e já a desfolhar... Ela olhou-me e sorriu ao ver que eu ficava parada junto à porta: Leva rosinhas, amor. Leva que são baratinhas, são as últimas, faço-te um desconto...! Que idade teria? Olhei-a com atenção e reparei nos olhos azuis, tão azuis...!, no avental desbotado, nas meias de lã velhas e gastas, no sorriso com poucos dentes... A seus pés, jaziam mais dois molhos de rosas entristecidas e com ar selvagem... E ela continuava a cantilena, o pregão, impingindo-me as últimas rosas que lhe dariam o direito de regressar a casa: Compra linda, amanhã é o dia da mãe, ela vai gostar...!  Já só tenho estas e as mães gostam de rosas brancas! Sorri-lhe e expliquei-lhe que não podia dar flores à mamã, o gato cisma com elas, come-as todas, derruba as jarras e ela enerva-se muito... Calou-se, desconsolada. Leva-as para ti amor, tens filhos? - tentou sem se render. Sim, falei-lhe dos meus filhos. E ela falou-me da mãe morta há mais de quarenta anos - Não há dia nenhum que não chore pela minha mãezinha! - dos filhos que não teve e do homem que a deixou. Falou-me das rosas e dos legumes que tem no quintal - Eu não ando a pedir menina, eu ganho o meu dinheiro! -  da chuva e do vento que lhe partiu tudo, da bicicleta com o pneu furado que a tinha obrigado a vir a pé, da vida que vivia sozinha - Enterrei a minha família toda, já só falto eu... Não sei quem me vai enterrar a mim... E dentro do meu peito nasceu uma tristeza infinita porque no meu país há velhos a sobreviver nas ruas à chuva, que vivem sozinhos em casas vazias, desprotegidos, à mercê deles mesmos... Velhos que morrem sozinhos, desamparados, e ninguém dá pela falta deles até que o cheiro dos cadáveres denuncia a morte aos vizinhos... Leva amor, são as últimas... As flores estavam feias e ela pedia uma ninharia por elas... Estendi-lhe uma nota e vi o desalento: Não tenho troco, amor... Não fazia mal, ficava assim, era para ela tomar um leite quente, comer qualquer coisa e ir de autocarro para casa - Ainda mais azuis, os olhos brilharam: Obrigada amor, a mãezinha vai gostar, vais ver, agora só se dá perfumes e jóias, é um disparate! - As mães gostam é de rosas!!! 
Deixei as rosas no jazigo da minha avó. Ela não se importaria por estarem velhas e desfolhadas... Também ela - eu sei - teria ficado com um nó no peito se conhecesse aquela velhinha que há quarenta anos chora pela mãe, que neste domingo não tem a quem abraçar, e no meio do silêncio em que vive, nunca ouviu nem ouvirá ninguém dizer-lhe que é a melhor mãe do mundo.