quinta-feira, 30 de abril de 2009

Palavras perfumadas


É a tua pele que eu visto logo pela manhã
quando acordo e saio de casa.
Levo no sangue o sorriso e a voz
e és tu o poema que ouso cantar baixinho
entre os passos distraídos.
É sempre assim tão simples:
Visto a tua pele, e em silêncio
o dia inteiro tem o bater do teu coração.

E quando por fim a noite chega,
eu dispo vagarosamente a tua pele
e abraçado a mim, na quieta madrugada,
fica o perfume do teu nome.

Beatriz Moraes in Um Rasto de Perfume

terça-feira, 28 de abril de 2009

As mães não têm fome...


Quando se sentou na minha frente, notei imediatamente as mudanças: as olheiras fundas, o rosto mais marcado, envelhecido por uma dor qualquer e a magreza evidente que o casaco denunciava, deixando espaço vazio nos ombros descaídos. Apesar disto, mantinha um ar cuidado e limpo.
E depois falou. Nervosamente, a princípio, mais calma à medida que eu a escutava com atenção... Falou da vida que mudara, mudara tanto nestes três anos em que nos conhecemos...! Falou da separação, do marido que saíra de casa para ir viver com uma jovem brasileira... do salário por receber há dois meses, do pouco dinheiro que sozinha fazia entrar em casa... Falou da indiferença do pai e da revolta do filho, da impossibilidade de diálogo... da medicação para uma depressão... da morte de ambos os pais, porto de abrigo e de ternura, amparo incondicional em todas as horas... Falou de solidão e de sonhos desfeitos... de medo e de angústia... de vazio e de dor. Já no fim, deixou escapar umas lágrimas que disfarçadamente limpou com as pontas dos dedos e pediu-me que tomasse conta do filho, ela já não se sentia capaz...
Acompanhei-a à saída com um estranho aperto no peito, uma sensação de raiva e impotência... e durante o resto do dia, ouvi martelarem-me o pensamento como um eco, as últimas palavras que proferira quando comentei a sua magreza e a necessidade imperiosa de se cuidar e tratar: "A Senhora Professora sabe, também tem filhos. Quando a comida não é muita, uma mãe nunca tem fome..."

domingo, 26 de abril de 2009

Do poder do Amor


Vaza-me os olhos: continuarei a ver-te,
tapa-me os ouvidos: continuarei a ouvir-te,
mesmo sem pés chegarei a ti,
mesmo sem boca poderei invocar-te.
Decepa-me os braços: poderei abraçar-te
com o coração como se fosse a mão.
Arranca-me o coração: palpitarás no meu cérebro.
E se me incendiares o cérebro,
levar-te-ei ainda no meu sangue.

Rainer Maria Rilke, Vaza-me os olhos...

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Palavras...


O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê.

Platão

terça-feira, 21 de abril de 2009

Momentos


De vez em quando gosto de ir ter com o mar.
Hoje tinha tempo livre, a manhã radiosa e dourada chamava-me, um suave vento morno sugeria a liberdade... E eu fui. Nunca sei de que cor o vou encontrar mas hoje o mar estava azul-azul. Um tom límpido e claro de azul que enche o olhar de espanto e obriga a boca a sorrir. Não há nada mais belo do que o mar e é um privilégio tê-lo assim tão perto, abraçando a cidade, perfumando-a de sal e de sargaço. Mas o mar ama-se de perto e por isso saí do carro e desci ao areal, vagarosamente, demorando o momento, saboreando toda aquela liquidez fria e azul que hoje, apaziguada, sussurrava com mansidão. É linda a voz do mar e é sempre diferente, acompanhando as emoções das ondas, ora iradas, ora rendidas numa serenidade que apazigua o coração mais inquieto. Com os pés na areia, pacificada com o marulhar tão meigo daquela voz salgada, perdi-me no tempo a procurar beijinhos. São cada vez mais raros e difíceis de encontrar, o tom rosado confunde-os com a própria areia, a pequenez do seu tamanho dificulta a procura e só o olhar mais atento os consegue descobrir... Mas eu tinha tempo e calma e paciência... como sempre tenho quando ando a apanhar beijinhos. E quando saí da praia, apesar das botas e das calças sujas, do cabelo despenteado em mil caracóis revoltos cheirando a maresia, tinha o peito sereno e feliz, e uma mão fechada em concha cheia de beijinhos, protegendo os tesouros que o mar nos dá e que a areia não conseguiu guardar do meu olhar.

sábado, 18 de abril de 2009

Silêncio


Às vezes o teu nome é uma faca de fogo, intranquila, cravada no centro do meu coração.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Vox populi, vox Dei


Se fizeres um favor, não o recordes; se receberes um favor, nunca o esqueças.

Provérbio persa

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Tanto que nunca te disse


As palavras são, tantas vezes, feitas daquilo que significamos...

José Luís Peixoto, Antídoto

domingo, 12 de abril de 2009

Palavras apaixonadas


Em que pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: "Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?" Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando não te vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.

Nuno Júdice, Pedro, lembrando Inês

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Regresso


Regresso às palavras, depois das malas desfeitas. Secretamente levei-as na bagagem, dobradas com carinho, escondidas na algibeira do silêncio para que ninguém mas roubasse.
Regresso às minhas palavras, ao único reencontro possível, e elas falarão de saudade em versos que só tu saibas ler.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Cá dentro


Não escreverei em Paris.
Impossível escolher as palavras... nunca são as justas, nunca são as perfeitas para traduzir a emoção que sinto na cidade de todos os sonhos. Em Paris há uma luz diferente, especial, que enche de magia esta cidade lindíssima e a torna única em beleza e poesia. Não escreverei em Paris, as palavras trair-me-iam o pensar e o sentir. Em Paris enchem-se os olhos de encanto, recolhe-se o coração fascinado e a alma pasma e emudece, tentando tatuar na memória os instantâneos que os olhos vão roubando à cidade. Porque na lembrança de quem visita Paris, as imagens não se apagam, não se esbatem... permanecem imperturbáveis ao escorrer do tempo, gravadas no peito e no olhar, eternamente ecoando nos passos dados ao acaso.
Por tudo isto, não te escreverei de Paris.
Mas levo-te comigo. Dentro.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Calma


Erradamente, adiamos os afectos. Achamos sempre que eles esperam por nós, enquanto nos desdobramos no trânsito, saltamos refeições, corremos desenfreadamente ao toque da campainha, perdemos o sono, irremediavelmente anulado pelo cansaço e trabalhamos noite dentro até nos arderem os olhos e doerem os ossos, até perdermos a lucidez... Adiamos o inadiável... e entregamo-nos à partilha dos afectos quando já nada mais falta riscar na lista de prioridades. Corremos diariamente para todos os lados atrás de coisa nenhuma, desgastamos a voz em urgências mil... Porque tem que ser assim. Porque a vida é assim.
As últimas semanas foram assim.
Agora pouso as armas, dispo as roupagens de guerra, respiro fundo e abro a porta à calma. Deixo-a entrar devagarinho, silenciosamente, deixando pegadas de luz pelo caminho. É tempo de colo, de ninho, de olhar em volta e abraçar as emoções... É tempo de viver sem olhar para o tempo... É tempo de amar, de corpo e alma, sem contar o tempo.
Porque às vezes todos precisamos de acreditar, nem que seja por breves momentos, que não existe o tempo.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Palavras certas


Fácil é abraçar, apertar as mãos,
beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo
como uma corrente elétrica
quando tocamos a pessoa certa.

Carlos Drummond de Andrade, Fácil é