quinta-feira, 31 de julho de 2008

A Carta Redentora


Mateus descia devagar a avenida ensolarada, com um enorme sorriso a denunciar-lhe a alegria nervosa. Uma das mãos segurava o cigarro fumado com avidez enquanto a outra, com a palma inundada de um suor escorregadio, apertava contra si a carta. Sentia-se feliz. Imensamente feliz.
Apressou o passo engasgado pelo atacador desapertado das Nike esburacadas e desejou subitamente poder voar sobre a estrada e aterrar na mercearia do Sr. Leonel. Imaginava-o já a abrir a carta, olear a voz com uma loirinha gelada, pigarrear com solenidade e iniciar a leitura. Mas Mateus não precisava que lhe lessem a carta. O seu coração sabia o que lá estava escrito, mesmo sem saber ler, sabia. E parecia-lhe uma dádiva divina, porventura de algum deus finalmente com olhos e ouvidos e coração, aquela carta que lhe traria o seu amor de volta, que o recompensava por tantos anos de tristeza e de solidão, de desamparo e de abandono. Nada nesse momento lhe parecia em vão. E perdoaria, claro que perdoaria a fuga inusitada, os anos de silêncio, as noites que ela dormira nos braços de outro homem, o tê-lo deixado na miséria uma vida inteira, num poço de dor amarga e gelada como chuva. Nada disso tinha já importância porque o seu amor voltava.
As velhas pernas, finalmente caminhando com um sentido, corriam agora tão velozes quanto a doença e a idade lhes permitiam e na ânsia de chegar, um erro foi cometido. Um erro terrível e fatal fez realmente voar o trémulo corpo vergado e cansado de Mateus e obrigou-o a aterrar no meio da estrada onde impiedosamente a camioneta o cortou em dois. Mateus não sentiu a morte chegar, não foi roubado neste instante de derradeira e merecida felicidade.
Na vila cheia de luz, uma pequena multidão em círculo fechou-se sobre aquele corpo que ainda sorria, que mesmo sem vida, ainda abraçava uma carta rasgada e ensanguentada que erradamente lhe tinha sido entregue pelo novo funcionário dos correios.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Nas asas de um anjo

É possível partir, deixar este mundo por vezes tão louco, tão duro, e encontrar a serenidade na intimidade única do abraço de um grande amor...
... Ou nas asas de um anjo...

terça-feira, 29 de julho de 2008

Palavras deslumbrantes


Flor do acaso ou ave deslumbrante,
Palavra tremendo nas redes da poesia,
O teu nome como o destino chega,
O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo
De todas as cores do dia!

Alexandre O'Neill, O teu nome

Ninho


Não te sei explicar muito bem... mas... sabes, aquele momento em que chegamos a casa depois de uns dias de ausência e metemos a chave na porta... há sempre borboletas no meu peito que se agitam felizes com o cheiro familiar, com as sombras pacíficas dos objectos e dos recantos que nos pertencem e uma paz grande, tão grande, por regressar ao ninho! É nestes momentos que compreendo que em nenhum lugar do mundo sou tão feliz como no meu porto de abrigo. No meu lugar.
É bom partir. É muito, muito bom regressar!

quinta-feira, 17 de julho de 2008

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Do fundo do coração


E termino o dia cheia de mimo, cheia de amor que chegou nas asas das palavras que me encheram de uma felicidade quente como este dia de Verão. No escorregar das horas, o meu telemóvel não parou de tocar, as sms invadiram com alegria ritmada os momentos silenciosos e o correio electrónico desafia-me trocista à espera da resposta aos e-mails dos que me lembraram hoje. E foram tantos os que me acarinharam... A todos beijo com ternura, emocionada por me terem feito sentir querida e amada. A todos agradeço por se terem demorado comigo, por me terem reservado um tempo especial, por me fazerem acreditar que os melhores presentes que podemos receber são as palavras sentidas que nos saem das profundezas desse músculo único a que chamamos coração.
Obrigada. De Profundis.

No fundo da memória


O primeiro aniversário de que me recordo foi num dia em que escorria um sol escaldante, tão quente como o de hoje. Nesse primeiro aniversário não sei quantos anos fazia... nem isso importa... estreei um vestido de chita com florzinhas cor-de-rosa que a minha avó costurara em segredo no sotão da casa. Tinha as mangas em balão, como os vestidos das bonecas e uma fileira de botões pequeninos que terminava abraçada numa golinha redonda debruada a renda branca. Nesse dia cantaram-me os parabéns na sala grande e havia muita gente à mesa, alguns rostos que hoje ainda lembro, que só existem na memória do meu coração. A minha mãe sorrindo, entregou-me uma caixa enorme que desembrulhei avidamente, rasgando com urgência o papel, para descobrir a boneca mais bonita que já tive. Os olhos azuis abriam e fechavam como por magia e as longas pestanas de plástico faziam cócegas na ponta dos meus dedos pequeninos... O cabelo castanho, comprido e lindíssimo, macio e perfumado, parecia quase verdadeiro... Peguei-lhe ao colo a tremer de emoção, com medo de que o sonho se desvanecesse e olhei-a nos olhos. Chamei-lhe Laura, quem sabe porque o nome ecoava como o meu e talvez tivesse sentido nessa rima imperfeita a consonância da nossa futura intimidade alegre.
Há tantos anos atrás, no primeiro aniversário de que me recordo, eu fiz anos num dia de sol e enquanto caminhava em direcção à praia, de mão dada com os meus irmãos, era a menina mais feliz do mundo porque havia bolo por minha causa, tinham-me cantado os parabéns, tinha um vestido novo e a Laura para sempre comigo. A vida sorria-me e nada de mal me podia acontecer.


Palavras doídas


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.

(...)

Vejo tudo com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas - doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado -,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

(...)

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos, Aniversário (Texto com supressões)

Palavras ternas


Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme
bastava toda a ternura que olhava
nos olhos de minha mãe...

Sebastião da Gama, Pequeno poema

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O Mundo dos Afectos


Por que motivo amamos alguém? Por que razão o nosso coração entre tantos seres que conhecemos, elege apenas alguns para aninhar para toda a vida? Porque é que às vezes amamos à primeira vista e outras aprendemos a amar? Amamos a igualdade ou a diferença? Peças diferentes que por isso se encaixam, ou almas gémeas que vêem a vida através de um mesmo olhar? Estranhíssimo mundo, este dos afectos. O mais valioso de todos os mundos é misterioso e insondável... surpreendente.
Quando amamos alguém, fazêmo-lo porque sim. Haverá outra explicação? Quando decidimos partilhar a vida com alguém, não nos dedicamos a uma análise fria, detalhada, minuciosa, dos pontos em comum e das rotas de colisão... entregamo-nos e é só. Depois, os afectos encarregam-se de limar arestas e de encontrar linhas paralelas, de traçar tangentes ou perpendiculares... Ninguém molda ninguém, amamos as pessoas apenas porque elas são assim. Ponto final.
Entre os meus afectos, encontram-se pessoas que pensam como eu e outras tão diferentes que não consigo achar um denominador comum... e isso importa? A emoção tem isso em conta?
Gosto de utilizar a metáfora das cores e tenho a inusitada teoria de que as pessoas são coloridas, apresentando até dentro da mesma cor, várias cambiantes e tonalidades. Ora todas as cores combinam entre si e todos os tons se completam, portanto, para quê complicar?
Amamos alguém, porque sim. E esta é a única verdade no mundo dos afectos.

sábado, 12 de julho de 2008

Palavras...


Te digo adiós y acaso, te quiero todavía.
Quizá no he de olvidarte, pero te digo adiós.
No sé si me quisiste... No sé si te quería...
O tal vez nos quisimos demasiado los dos.

Este cariño triste y apasionado y loco,
Me lo sembré en el alma para quererte a ti.
No sé si te amé mucho... No sé si te amé poco.
Pero si sé que nunca volveré a amar así.

Me queda tu sonrisa dormida en mi recuerdo,
Y el corazón me dice que no te olvidaré;
Pero al quedarme solo, sabiendo que te pierdo,
Tal vez empiezo a amarte como jamás te amé.

Te digo adiós y acaso en esta despedida
Mi más hermoso sueño muere dentro de mí...
Pero te digo adiós para toda la vida,
Aunque toda la vida siga pensando en ti.

José Ángel Buesa


domingo, 6 de julho de 2008

Ó Stora...

Ó Stora, qual é o seu poema preferido?
( ... )
Aqui ficam as palavras imortais da Florbela Espanca na voz maravilhosa do Luís Represas... SER POETA, porque há poemas simplesmente magníficos!

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Memórias


De vez em quando tu voltas. Sobretudo em noites como esta, quando tudo está tranquilo e eu me sinto apaziguada neste abandono solitário. Adivinhas-me talvez as defesas desprevenidas, chegas de mansinho e encostas-te à minha memória numa doce quietude. E eu deixo. Aqui ficas enquanto escrevo... as emoções pulsando devagar, rasgando o silêncio da noite que respira na sua escura serenidade...

terça-feira, 1 de julho de 2008

Orgulho


Esta noite beijo os meus filhos e felicito-os pelo percurso percorrido e pelas escolhas feitas, pelos êxitos alcançados e pelas batalhas vencidas... É com enorme alegria que os vejo caminhar sozinhos, no trilho certo... Os louros são deles... o orgulho é todo meu.
Pode o coração de uma mãe explodir de orgulho?

Julho bem-vindo


Em Julho nunca a água no rio fez barulho.

( Provérbio português )