terça-feira, 30 de junho de 2009

Despir as palavras


Sabes

Vesti-te de palavras
com o perfume da poesia
só para te despir na leitura

José António Gonçalves

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Na palma da mão


Encontrei-a à porta do hospital onde fui visitar um familiar. Completamente vestida de negro, assombrosamente gorda, tudo nela era sujo e cheirava muito mal. Do grosso pescoço pendia um pesado cordão de ouro antigo com a fotografia a preto e branco de um homem de expressão fechada e olhar arrogante. Na cara morena, sulcada por mil rugas fundas como rios, destacavam-se uns olhos estranhamente meigos, de expressão perturbadora. Um lenço negro, cheio de nódoas, tombava-lhe sobre a testa e deixava-lhe o rosto numa misteriosa escuridão. Estendeu uma mão aberta, entranhada de sujidade áspera, barrando-me a entrada. "Uma esmolinha, menina, que eu leio a sua sina. E é uma sina bonita, menina... Leia..." Gelei. Logo a mim, que não gosto desta história de sinas e de futuro na palma da mão, sempre fugi de previsões e nunca consultei oráculos... Disse-lhe que não tinha dinheiro e tentei avançar, mas a cigana agarrou-me e insistia: "Leia a sua sina, menina, e eu digo-lhe quem lhe quer muito bem..." Já enervada, empurrei a porta e o braço com a mão em garra, um braço grosso como um tronco à deriva naquele rio intranquilo, e entrei finalmente.
No fim da visita, desci a escadaria rezando para encontrar a saída livre da estranha sibila de frases cantadas que me tinham desordenado as emoções, mas ela lá continuava sentada no chão, sozinha, embrulhada num silêncio triste, balançando o corpo enorme numa inusitada dança e com a mesma mão estendida. Passei por ela quase a correr e ainda me atirou: "Dê-me uma esmolinha, menina, que eu tiro-lhe essa dor que tem no peito..."
Caía o crepúsculo na cidade e uma quietude quase irreal sombreava as ruas de silêncio. Apenas os meus passos nervosos na calçada acompanhavam o pulsar do coração que teimava ainda no olhar e nas palavras da cigana, como um eco distante. O episódio incomodou-me... e à noite, antes de adormecer, quase jurava ouvi-la ainda, a estranha figura solitária que dizia conhecer-me a sina e saber abrir as portas dos lugares mais longínquos do meu coração.

domingo, 28 de junho de 2009

Da perda


Ao perder-te a ti perdemos tu e eu:
eu porque tu eras o que eu mais amava
e tu porque era eu quem mais te amava.
Mas de nós dois és tu quem mais perde,
porque eu poderei amar outras como te amava a ti
mas a ti não te hão-de amar como eu te amava.

Ernesto Cardenal

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Sem palavras

Inundava-o a luz suave do fim do dia, uma luz macia e quente, enchendo de doçura as palavras daquele olhar despido de mentira, que com um sorriso triste ela gravou no coração.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Palavras intensas


Sei agora que me ensinaste o amor. Sinto que vivi contigo uma coisa tão intensa que não sei se serei capaz de a experimentar de novo.

Daniel Sampaio, Tudo o que temos cá dentro

sábado, 20 de junho de 2009

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Tanto que nunca te disse


Às vezes esmago as palavras com os dedos em gestos disfarçados e não tas dou. Depois, fico só assim, quieta, neste silêncio... à espera que as saibas ler no meu olhar.

domingo, 14 de junho de 2009

Cala-te, Coração


Cala-te Coração... Esta noite não te dou voz.
Não quero ouvir-te, hoje não...
Tapei os ouvidos com as mãos,
Fechei-te no peito a sete chaves
e até o teu pulsar lamentoso
parece agora um eco distante.

Cala-te, Coração. Não adianta, não teimes mais...
Esta noite não é tua, nem minha...
Esta noite fala a Razão, a quem cedo o palco,
a quem concedi o papel principal
num solilóquio perfeito
que há muito sei de cor.

Cala-te, Coração. As deixas não são tuas,
hoje saíste do palco da minha vida
e os aplausos não são para ti...
Por isso... Deixa-me! Não quero ouvir-te agora,
Nem ver-te brilhar ao centro sob as luzes...
Portanto... Cala-te, Coração.

sábado, 13 de junho de 2009

Roubar a Lua...


Uma noite por ano uma noite pelo menos
assaltemos o céu e a lua aprisionemos
Uma noite Uma noite Uma noite pelo menos

David Mourão-Ferreira

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Na fronteira da pele


Na fronteira da pele não há cães polícias. Era isso mesmo. Na fronteira da pele. Onde eu acabo e tu começas. Onde eu passo de pecado em pecado. Deixo tudo e atravesso. Passo a linha e perco a calma. Na fronteira da pele não há polícia, não há controle.

Salman Rushdie

domingo, 7 de junho de 2009

Outras palavras


Life is not measured by the number of breaths we take...
but by the moments that take our breath away...

Autor desconhecido

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Parabéns, Filho!


Sei que nem sempre tenho respostas para te dar... e que às vezes me embrulho em vazios que não entendes... Mas hoje todas as minhas palavras são para ti.
Nem sempre precisamos das palavras para dizer Amo-te muito... O coração sabe. O coração ouve todos os silêncios. E sabe lê-los.
Por isso, sei que hoje saberás ler o que digo... e o que guardo.

Os degraus da vida


É uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.

Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos, nem sobressaltos
servem sequer de lição.

Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
o lastro do coração.

Sobe-se numa corrida.
Correm-se p'rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.

David Mourão-Ferreira, Antologia Poética

segunda-feira, 1 de junho de 2009