quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Quanto pesa uma lágrima?

Quando abriu os olhos, Tomasa pensou que amava Octávio com a irrealidade que torna todas as coisas possíveis e que, no fundo, nunca precisara de tempo nem de espaço, porque aí onde o guardava, no meio de uma paisagem muito azul e muito meiga, o tempo e o julgamento dos homens não tinham a menor importância. (...) Depois fechou os olhos e sentiu uma lágrima a rolar-lhe pela face. Permaneceu imóvel e quase pôde ouvi-la rebolar na sua pele, lentamente, como se fosse uma pérola caída de um colar. Então pensou que nunca uma lágrima lhe parecera tão bela, tão redonda e tão perfeita.

- Sabes quanto pesa uma lágrima, Octávio? O peso de toda a saudade que tenho de ti - murmurou.

Sofia Marrecas Ferreira, O Sangue da Terra

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A última dança

E de repente, o estertor de uma música belíssima bate-me na alma, no fundo, no lugar onde a dor é mais fria, no lugar secreto onde dói mais. Inclino a cabeça para a ouvir melhor e ela continua, faz-se mais forte, como uma mariposa doida na sua cegueira a roçagar nas vidraças do pensamento, dançando a mais bela de todas as danças. É a luz da memória que a atrai... ou a da saudade...? Fecho os olhos e ouço-a com uma nitidez tão grande dentro de mim... Ouço a agonia dessa sonata na sua dança mortal e é tão triste que nem me importo que ela fique aqui, aninhada no meu peito, fazendo-me companhia enquanto escrevo. Deixo-a ficar aqui, enquanto ela se consome nessa dança louca em volta da chama do pensamento... Enquanto ela dança a dança da morte, a sua última dança.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Palavras que doem

Dói-me esta água, este ar que se respira,
Dói-me esta solidão de pedra escura,
e estas mãos nocturnas onde aperto os meus dias
quebrados na cintura.

Eugénio de Andrade, Palavras interditas até amanhã

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

De olhos bem abertos

Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos bem abertos
E conhecem o abismo pedra a pedra, anémona a anémona, flor a flor.

Sophia de Mello Breyner Andresen

(...)

A certa altura da vida começamos a aprender a esperar o tempo. A certa altura da vida o que nos mata não são as horas. O que nos mata são as palavras e a ausência de palavras.

Baptista-Bastos

domingo, 14 de agosto de 2011

Palavras de água

Não te confessarei o meu sofrimento porque ele te faria desgostar de mim. Não te farei censuras: elas irritar-te-iam justamente. Não te direi as razões que tu tens para amar-me, porque não as tens. A razão de amar é o amor.

Antoine de Saint-Exupéry, Cidadela

Vox populi, vox Dei

As palavras são anões; os exemplos são gigantes.

(Provérbio suiço)

Da lucidez

A única diferença entre eu e um louco é que eu não sou louco.

Salvador Dali

sábado, 13 de agosto de 2011

Nudez

Despir os gestos devagar, ficar na imobilidade quieta e silenciosa de um mármore frio... Depois despir a voz e ouvir apenas o caminhar dos ponteiros do relógio, rente aos ombros, num pulsar lento e eterno... Despir por fim os pensamentos e os cansaços, deixar cair a noite como um mar bravio... E só então mergulhar na espuma duma onda, despida de memórias, na nudez absoluta desse nada...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Do caos

Aquilo a que a lagarta chama fim do mundo, o Homem chama borboleta.

Richard Bach

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Uma janela sobre a vida

Uma vez subi a um quarto andar onde mora um tipógrafo; ia com ganas de lhe comer os fígados, porque me andava a enganar desde que o livro entrara na oficina. Pois recebeu-me, lá no alto, um sol magnífico a cair sobre Lisboa: isto tudo visto por uma pequena janela. Adeus fúrias, adeus palavras como punhais! Basta uma janela para me fazer feliz.

Sebastião da Gama

terça-feira, 9 de agosto de 2011

domingo, 7 de agosto de 2011

O Amor é um Lugar Estranho

E depois, o amor, não se ganha nem se perde, não vem como uma recompensa, não é uma meta que se possa alcançar nem sequer perseguir... O amor não tem razão, nem porquê, nem justificação, que é o que toda a gente sabe desde sempre: que se pode amar um assassino e desprezar um santo, que se pode sacrificar um justo por um malandro, que as contas do amor, se o amor for coisa que se possa contabilizar, não se fazem neste mundo.

Pedro Paixão, Viver todos os dias cansa

sábado, 6 de agosto de 2011

Abre-se a noite

Abre-se a noite devagar, macia, em escuras ondas de uma magia qualquer... Devagar, a noite insurge-se tingindo de negro o resto do dia que foi hoje. Calando-o. Apagando-o. Matando-o. Estranho poder este, o de apagar os dias... Felizes ou infelizes, dos dias só resta a memória quando a dança da noite se inicia no mais brilhante e silencioso de todos os concertos.

Ainda bem que a noite chegou e que como sempre, apagará o dia. Este dia que hoje vivi.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Palavras sem pudor

Original é o poeta

Que tiver o despudor

De escrever todos os dias

Como se fizesse amor.

Ary dos Santos

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Palavras solitárias

O amor é uma companhia.
Já não sei andar pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro