sexta-feira, 31 de julho de 2015

Vox populi, vox Dei


Envelhecer não é para cobardes.

(Ditado norte-americano)

Do Amor


- Como são os livros de amor?
- Disso receio não te poder falar. Não li mais que um ou dois.
- Não interessa. Como são?
- Bem, contam histórias de duas pessoas que se conhecem, que se amam e lutam por vencer dificuldades que as impedem de ser felizes.

Luís Sepúlveda, in O Velho que Lia Romances de Amor

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Cá dentro


Podemos subir a pé uma escarpa, uma duna, uma montanha, uma falésia, sei lá eu, um penhasco no fim do mundo, qualquer coisa que nos deixe mais perto do azul... E depois eu posso dizer palavras belas à toa: ave, peixe, árvore, mar. Ou talvez não chegue a dizer nada. E esse silêncio entre nós será a música  com que pousas as nuvens no meu colo. 

domingo, 26 de julho de 2015

Vento de verão


Penso que podia ser livre e descer descalça esta avenida em direção ao mar, sandálias na mão e o azul do céu preso nos cabelos molhados. Fecho os olhos ao brilho do sol refulgindo no granito que piso devagar, tento desvendar os segredos na voz das gaivotas e caminho neste verão ventoso e morno de cidade costeira. Os dedos do vento prendem-se ao meu vestido e tecem-me entrançados misteriosos nos fios do cabelo. Sorrio: agarro esta promessa de chuva no céu do verão e não paro, caminho sem pressa e sem destino no coração da cidade.
Entro dentro do vento com o entardecer pousado nos ombros e a luz única do ocaso brilhando-me por dentro dos olhos. Sorrindo porque é verão. Sorrindo ao vento do verão.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

No véu da noite


as mãos pousadas sobre o peito.
só o silêncio se ouve.
no véu da noite,
o silêncio dos amantes de olhar suspenso
cresce pelos seus corpos
como trepadeiras nas paredes
das casas em ruínas.
o desejo acontece e os olhos,
brilhantes e cúmplices,
aguardam que as mãos escondidas se toquem,
que explorem o corpo,
como pequenos pássaros inquietos.

de mãos pousadas sobre o peito,
só a solidão se sente,
quando no véu da noite
os amantes se entregam num só corpo.


Paulo Eduardo Campos, "O Quarto" in A Casa Dos Archotes

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Palavras possíveis


Podes dizer ao mundo inteiro que estas letras são tuas. Assim como os desenhos que fiz, os espaços que deixei. Podes dizer a toda a gente que um dia te amei e que foste tu quem me fez poeta. Podes nadar em orgulho ao saber que todos os copos que bebi foram por ti. Que os cigarros que fumei ansiosa e apressadamente foram pela saudade do teu corpo. 
Quando falarem de raios e relâmpagos, de trovões e de tufões, vais poder dizer que fui eu quem fez a China, quem ergueu muralhas e deitou lágrimas de sangue. Quando te perguntarem se um dia me conheceste, diz que sim.
Responde um afirmativo de poder e de vontade. Podes deixar o medo do conhecimento alheio, agora que te sou completamente alheia. Quando um dia o mundo se desfizer verdadeiramente em estações trocadas - o Verão pelo Outono ou o Inverno pela Primavera - aí podes descansar. Podes contar à galáxia e aos seus sobreviventes que, meu eterno desconhecido, um dia me fizeste rainha.

José Eduardo Agualusa, in Revista Egoísta, nº 32

sábado, 4 de julho de 2015

Palavras roubadas


Mas já não tenho mais tanta pressa. Comecei a aprender a ser mais gentil com o meu passo. Afinal, não há lugar algum para chegar além de mim. Eu sou a viajante e a viagem.


Ana Jácomo