Que dias há que na alma me tem posto/ um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê. - Luiz Vaz de Camões
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
domingo, 30 de dezembro de 2012
Mamã...
As mães sobem uma escada até ao céu,
sobem e descem a escada longa dos filhos;
as mães olham para cima, firmam as mãos na escada
e pensam com os olhos. Ficam de pé - morrem de pé
se for preciso - a pensar as estrelas. Cada uma delas
é um pulmão jovem, um alvéolo inviolável.
As mães crescem com os anos, tornam-se ramos
a baloiçar na escada: são perenes, persistentes
e mansas. As mães abrigam os pássaros no olhar,
tomam-nos nas mãos como oferta sagrada
e soltam-nos do alto da escada: voam, voam,
crescem contra as nuvens e são água, espuma,
exílio azul. Os filhos são os olhos das mães, aflitos
e saudáveis, à espera que floresça a flor fria
da amendoeira. Os olhos partem para regressar a si.
Nuno Higino
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
Como uma chuva...
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Rainer Maria Rilke
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
Da Amizade
Os amigos não morrem: andam por aí, entram por nós dentro quando menos se espera e então tudo muda: desarrumam o passado, desarrumam o presente, instalam-se com um sorriso num canto nosso e é como se nunca tivessem partido. É como, não: nunca partiram.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
FELIZ NATAL!
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira, "Natal e Não Dezembro" (excerto)
domingo, 23 de dezembro de 2012
Quando o Natal se nos pousa na alma
Um pássaro a cantar na laguna estagnada
Frutos no capitel de uma coluna exangue
É assim que o Natal se nos pousa na alma
É assim que o Natal tem um gosto a laranja
E ficamos os dois de mãos dadas entrelaçadas
E filtramos a luz e a sombra deste instante
É assim que o Natal nos vai enchendo a taça
É assim que o Natal nos aperta a garganta.
David Mourão-Ferreira, "Toada de Natal" (excertos)
sábado, 22 de dezembro de 2012
É quase Natal!
Sinto saudades do sol... Mas hoje, este vento cinzento e quase morno arrasta consigo um cheiro a Natal, que como um abraço, envolve a cidade em serenidade e paz!
(Ou será de mim...?)
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Agora escrevo pássaros
Agora escrevo pássaros.
Não os vejo chegar, não escolho, de repente estão aí,
um bando de palavras a pousar
uma por uma
nos arames da página,
entre chilreios e bicadas,
chuva de asas,
e eu sem pão para dar,
tão somente deixo-os vir.
Talvez seja isto uma árvore,
ou quem sabe,
o amor.
Julio Cortázar
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Cá dentro
Um nome para o que sou importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
O que eu gostaria de ser era uma lutadora. No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e a palavra que o exprima.
É pouco. É muito pouco.
Clarice Lispector, in Aprendendo a viver (Texto com supressões)
domingo, 16 de dezembro de 2012
A Arca dos Medos
Ela apertou até acima o fecho do impermeável negro e pensou que provavelmente ia cair. Acreditou que as pernas não suportariam o peso do seu cansaço, da sua dor, da sua tristeza tão indizível, tão funda... Depois deixou que o seu corpo se encostasse aos braços que a amparavam e que não sabia de quem eram... Talvez fossem de alguém que a amava, mas não sabia, não conseguia perceber. Sentia vagamente a chuva atravessar-lhe a roupa e gelar-lhe a pele, percebeu que tremia e que dentro de si não havia mais nada. Perto de si alguém rezava, era uma ladaínha triste e fúnebre que se confundia com o vento cortante, com a chuva, com as lágrimas. A mulher sentia-se exausta e perdida, desejou fugir e no entanto sabia que era necessário permanecer ali até ao fim, debaixo do vendaval. Sabia também que naquele dia, em que se abrira a arca dos medos, o sol não nasceria e seria sempre noite durante muito tempo... Sabia que em breve seria Natal e que desta vez haveria à mesa muita dor e um lugar inconsolavelmente vazio... Sabia que poderiam passar muitos meses, anos até, mas continuaria a ouvir dentro de si o ruído das pazadas cheias de terra molhada e fria que caíam impiedosamente sobre a urna da mãe e que ecoavam como trovões no silêncio gelado do cemitério.
A mulher tinha perdido o colo. A arca dos seus medos estava aberta. Sem conseguir resistir mais, ela ajoelhou-se finalmente. E em queda livre, com o olhar cego e os braços abertos, caiu aos trambolhões dentro de si.
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