segunda-feira, 29 de junho de 2009

Na palma da mão


Encontrei-a à porta do hospital onde fui visitar um familiar. Completamente vestida de negro, assombrosamente gorda, tudo nela era sujo e cheirava muito mal. Do grosso pescoço pendia um pesado cordão de ouro antigo com a fotografia a preto e branco de um homem de expressão fechada e olhar arrogante. Na cara morena, sulcada por mil rugas fundas como rios, destacavam-se uns olhos estranhamente meigos, de expressão perturbadora. Um lenço negro, cheio de nódoas, tombava-lhe sobre a testa e deixava-lhe o rosto numa misteriosa escuridão. Estendeu uma mão aberta, entranhada de sujidade áspera, barrando-me a entrada. "Uma esmolinha, menina, que eu leio a sua sina. E é uma sina bonita, menina... Leia..." Gelei. Logo a mim, que não gosto desta história de sinas e de futuro na palma da mão, sempre fugi de previsões e nunca consultei oráculos... Disse-lhe que não tinha dinheiro e tentei avançar, mas a cigana agarrou-me e insistia: "Leia a sua sina, menina, e eu digo-lhe quem lhe quer muito bem..." Já enervada, empurrei a porta e o braço com a mão em garra, um braço grosso como um tronco à deriva naquele rio intranquilo, e entrei finalmente.
No fim da visita, desci a escadaria rezando para encontrar a saída livre da estranha sibila de frases cantadas que me tinham desordenado as emoções, mas ela lá continuava sentada no chão, sozinha, embrulhada num silêncio triste, balançando o corpo enorme numa inusitada dança e com a mesma mão estendida. Passei por ela quase a correr e ainda me atirou: "Dê-me uma esmolinha, menina, que eu tiro-lhe essa dor que tem no peito..."
Caía o crepúsculo na cidade e uma quietude quase irreal sombreava as ruas de silêncio. Apenas os meus passos nervosos na calçada acompanhavam o pulsar do coração que teimava ainda no olhar e nas palavras da cigana, como um eco distante. O episódio incomodou-me... e à noite, antes de adormecer, quase jurava ouvi-la ainda, a estranha figura solitária que dizia conhecer-me a sina e saber abrir as portas dos lugares mais longínquos do meu coração.

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