quarta-feira, 16 de julho de 2008

No fundo da memória


O primeiro aniversário de que me recordo foi num dia em que escorria um sol escaldante, tão quente como o de hoje. Nesse primeiro aniversário não sei quantos anos fazia... nem isso importa... estreei um vestido de chita com florzinhas cor-de-rosa que a minha avó costurara em segredo no sotão da casa. Tinha as mangas em balão, como os vestidos das bonecas e uma fileira de botões pequeninos que terminava abraçada numa golinha redonda debruada a renda branca. Nesse dia cantaram-me os parabéns na sala grande e havia muita gente à mesa, alguns rostos que hoje ainda lembro, que só existem na memória do meu coração. A minha mãe sorrindo, entregou-me uma caixa enorme que desembrulhei avidamente, rasgando com urgência o papel, para descobrir a boneca mais bonita que já tive. Os olhos azuis abriam e fechavam como por magia e as longas pestanas de plástico faziam cócegas na ponta dos meus dedos pequeninos... O cabelo castanho, comprido e lindíssimo, macio e perfumado, parecia quase verdadeiro... Peguei-lhe ao colo a tremer de emoção, com medo de que o sonho se desvanecesse e olhei-a nos olhos. Chamei-lhe Laura, quem sabe porque o nome ecoava como o meu e talvez tivesse sentido nessa rima imperfeita a consonância da nossa futura intimidade alegre.
Há tantos anos atrás, no primeiro aniversário de que me recordo, eu fiz anos num dia de sol e enquanto caminhava em direcção à praia, de mão dada com os meus irmãos, era a menina mais feliz do mundo porque havia bolo por minha causa, tinham-me cantado os parabéns, tinha um vestido novo e a Laura para sempre comigo. A vida sorria-me e nada de mal me podia acontecer.


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