segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O sabor da saudade


É quase Natal e tu não estás. Só me ocorre isto, vezes sem conta ao longo dos dias. É Natal e tu não estás. Nunca mais estarás. E não me habituo, sabes? Talvez porque tu eras o Natal e eu não sabia. Juro-te, não tinha percebido até tu te ires, que tu fazias as coisas terem sentido. Listavas e compravas tudo atempadamente, demolhavas o bacalhau vigiando as águas com uma ternura desconcertante, cortavas as couves e os grelos, descascavas as batatas, as cebolas, os alhos, as cenouras, cozias e descascavas os ovos caseiros com gestos de porcelana, fervias o molho, sempre com um sorriso só teu, com um carinho infinito e uma serenidade que me enchia de paz. Querias que corresse tudo bem. E sempre corria. Os doces fazíamos juntas, lembras-te? Fritavas as rabanadas velando o óleo para que não queimasse e entregavas-mas para que eu terminasse. Rias muito porque eu queimava as pontas dos dedos ao pegar nas rabanadas quentes e soprava as mãos enquanto as envolvia na mistura de açucar mascavado e canela. A casa perfumava-se de Natal naquele momento só nosso... Eu gostava sobretudo de segurar o grande tacho de aletria que tu rapavas para a travessa decorada com azevinho, em nuvens de vapor doce que escaldava um cheiro intenso a limão. E depois sentávamo-nos uma em frente à outra a partir nozes e a desfiar o pão, numa conversa singela e adocicada, que terminava quando tudo estava pronto.
Este ano, mais uma vez, farei a ceia sozinha. E eu tento, sabes? Tento fazer tudo como tu me ensinaste, mas as coisas não têm o sabor das feitas por ti, sabem a saudade, uma saudade infinita que me denuncia e se deixa trair na lágrima fugitiva que me acontece quando me sento à mesa e o olhar se me esbarra no teu lugar vazio. E nunca mais me habituo a este sabor. Ao sabor da saudade.

2 comentários:

Flor disse...

Entendo a tua saudade; quando perdemos alguém que nos é muito querido e insubstituivel, há sempre uma lágrima que teima em cair no dia de Natal. Os anos passam e não esquecemos, os gestos, as frases, a voz...
Fazia-lhe muitas perguntas, até ele se fartar e dizer-me: "Vai ver se está a chover em mim lá fora".
Tenho saudades...

Paula, aproveito o momento para vos desejar um Feliz Natal!

Beijinhos

Anna disse...

Flor, obrigada pelas tuas palavras, pela tua partilha. É Natal, tempo de abraçar os vivos, festejar a vida e o amor. Mesmo que a chuva teime em cair dentro de nós.
Desejo-te a ti e aos teus, um Feliz Natal. Abraço-te com carinho e deixo-te um beijo sentido.