terça-feira, 8 de dezembro de 2009

É quase Natal


A rapariga do casaco amarelo chegou primeiro. Sentou-se, pediu um café e esperava. Notava-se que esperava ansiosamente alguém, traindo-se no olhar que fugidio voava até à porta ou regressava aos ponteiros do relógio vezes sem conta. Ele chegou por fim, sentou-se sem sorrir e não a olhou. Começaram a conversar num diálogo de nervosismo onde as palavras se atropelavam e se interrompiam, numa daquelas conversas que às vezes acontecem onde cada um tenta falar sozinho... A rapariga do casaco amarelo torcia os dedos nervosamente e mordia os lábios tentando desaguar a inquietude. Ele tinha o rosto impenetrável. De vez em quando abanava a cabeça negativamente ou passava nervosamente os dedos pelo cabelo cortado curto. Discutiam num tom baixo e discreto, alheados do mundo, sem ver ninguém, completamente absortos nas palavras um do outro e até o mundo parecia girar mais devagar, suspenso no desenlace daquele desencontro. Pelo canto do olho, disfarçadamente, as pessoas olhavam-nos mas eles não notavam. E foi então que ela abriu o fecho da mala que trazia a tiracolo e fez aparecer um embrulho que pousou com um sorriso em cima da mesa, ao alcance dos gestos dele. Era um papel vermelho, brilhante como fogo, abraçado por uma fina fita dourada, um embrulho tão pequeno como a chávena de café que jazia já fria e suja entre os dois. O embrulho vermelho ficou ali, sorrindo em cima da mesa como uma flor aberta, soltando uma nota de alegria discordante daquele par em desarmonia... Curiosas, as pessoas não disfarçavam já, queriam saber o final da cena que se desenrolava à vista de todos e fazia prever um final feliz. Mas o jovem do cabelo curto não fez um gesto, apenas cravou os olhos no embrulho, demoradamente, parecendo incomodado com a cor gritante do presente que lhe era oferecido... depois, finalmente, debruçou-se sobre a mesa, sussurrou qualquer coisa ao ouvido da rapariga do casaco amarelo, passou-lhe a mão com ternura pelo cabelo de caracóis escuros, levantou-se precipitadamente, e saiu sem olhar para trás. Ela tinha os olhos cheios de lágrimas. Escondeu o rosto nas mãos, a segurar as emoções, e repentinamente, alguns instantes depois, levantou-se e saiu também, sem agarrar o embrulho vermelho em cima da mesa.
É quase Natal. Não consigo deixar de tentar imaginar se no momento de abrir os presentes, o rapaz do cabelo curto demorará por algum tempo o seu pensamento no embrulho que não abriu e deixou desprezado na mesa de um café, ou se a rapariga do casaco amarelo ultrapassará a dor que se sente inevitavelmente quando alguém nos rejeita sem equívocos e se corporizou no bonito presente vermelho, deixado ao abandono ao lado da chávena do café que se esqueceu de pagar...
É quase Natal. É quase Natal, mas não acredito que algum dos dois sinta isso no coração...

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