
Que em 2008 possas alcançar o que mais desejas e consigas cumprir todos os teus sonhos...
Que dias há que na alma me tem posto/ um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê. - Luiz Vaz de Camões

Na semana entre o Natal e o Ano Novo, tenho esta estranha mania de desatar furiosamente a fazer limpezas e arrumações a torto e a direito. É como se um botão, cuidadosamente programado, se ligasse e accionasse um processo que uma vez iniciado, se torna imparável. Ataco primeiro os roupeiros e as cómodas e passo depois, sem dó nem piedade, para tudo o que é gaveta e armário. Não há um único centímetro da minha casa que não seja passado a pente fino. Rasgo, queimo, destruo, arquivo, catalogo tudo até ao mais ínfimo pormenor. É como se não quisesse entrar no novo ano com lixo, preciso de arranjar espaço para aquilo que me trarão 365 dias novinhos em folha, a estrear. Depois, mais calma já, sento-me e faço listas. Dou-lhes o sonoro nome de Listas de Intenções, de coisas que quero mesmo mudar em mim e na minha vida. Devo dizer que estas listas são coleccionáveis e cada vez que um ano termina, dedico uns minutos a reflectir sobre o que não fiz, o que não mudei, o que não aconteceu.
A única coisa que quero do Natal é que acabe depressa, acabem depressa as avenidas iluminadas, as lâmpadas nas árvores, a agitação das lojas, toda esta gente nas ruas, os embrulhos, os laçarotes, as fitas, os vizinhos que me deixam bocados de pinheiro nas escadas, o filho da porteira empregado num armazém de roupa a sair de casa vestido com um casaco encarnado, soprando a barba de algodão (...) e eu a desligar o telefone para que não me macem, a esquecer a caixa do correio a fim de não aturar as boas-festas de ninguém, eu de televisão apagada porque detesto filmes bíblicos, sinos que badalam, mensagens de primeiros-ministros e programas de circo (...)



António Lobo Antunes esteve há dias na Biblioteca Municipal da minha cidade a promover o seu último livro, "O meu nome é Legião".

Amo o Natal... amo mesmo. Há uma espécie de magia e encantamento nesta quadra onde os corações humanos se transmutam e as pessoas parecem ficar subitamente mais atentas aos outros e à própria vida. Não serei talvez a excepção... e no entanto, é no Natal que como alarmes, se acendem dores atenuadas em todas as outras alturas do ano. É no Natal que sem cessar, num exercício doloroso e ao mesmo tempo gratificante, desato a evocar continuamente os que já partiram. É no Natal, nem sei bem porquê, que as recordações teimam em persistir, que não se apagam nunca, como as luzinhas coloridas que enchem as ruas, as casas, o mundo... Simplesmente ficam ali, a pairar-me na memória como a neve nos beirais... e cada passo que dou, cada gesto que faço, é na luta de evitar que a neve derreta, escorra líquida e se suma por uma qualquer fenda do passado.
Tou...sim? Ah, olá...! Então...tudo bem?Diz-me...Não! Jura...não posso crer!Enganaste-te com certeza...A Berta, dizes tu?A Berta casou-se? Mas tens a certeza? Mas como...!Logo a Berta, que sempre odiou casamentos, que jurava que nunca se casaria...será possível? Não, realmente já não a vejo há uns tempitos...pois, não te sei dizer quanto...nem isso interessa, pois não? A Berta era tão cómica! Lembras-te, ela queria ser astronauta...para ver o azul de longe, dizia ela e o pessoal ria e não a levava a sério...Ela sempre teve aquela mania de querer ser diferente...estou pasmada, juro-te. A Berta presa, armadilhada numa instituição burguesa e burocrática, castradora da liberdade dos sonhos e dos voos azuis... que novidade me estás a dar! E o Pedro, como está? Claro, imagino que esteja louco, de cabeça perdida, ele era doido por ela... e dizia, coitado, que esperaria pela Berta até ao fim dos dias...que ela acabaria por amá-lo, nem que fosse por habituação...e eu sempre te disse que ela um dia o destruiria...francamente, às vezes até pareço bruxa...Que coisa! No amor sai sempre um destruído, quando não são os dois. Claro que tens de me dar razão, eu estava mesmo a ver que o Pedro um dia ficava um farrapo por causa da Berta. Mas uma coisa destas...nunca imaginei. Eu cá para mim, acho que não devíamos apaixonar-nos nunca... o amor é uma maçada, enrola-nos o pensamento, distrai-nos do essencial... pois é, ainda por cima faz doer que se farta... às vezes é só lágrimas... olha, eu nunca me apaixonarei...casar talvez, mas amar, nunquinha! Os homens são todos iguais, dizem que só querem é divertir-se, passar bons momentos, e depois, quando a gente menos conta e espera, estão a querer casar...pois, e filhos e tudo...mas comigo não, eu cá não vou nessa...filhos é que não! Coitado do Pedro...e coitada da Berta... O amor é mesmo uma maçada...OK, vai lá então, desculpa, eu também tenho muita roupa para passar e o jantar para fazer. Hoje é quarta-feira e às quartas, tu sabes, é aquela confusão... não, está tudo óptimo... e contigo...? Ainda bem... olha, passa por cá no sábado, vamos juntas ao ginásio... pode ser, eu levo o carro e depois, se der, passamos no barzito. Agora desliga, se não a conta é um dinheirão... xau então, um beijinho...




As pinceladas rubras
Tinham combinado encontrar-se uma vez por ano, na noite de S.João.Um dia por ano, um só, todos os anos, enquanto vivessem.O desafio tinha caído com um misto de graça e sarcasmo, para apaziguar a dor da separação.Porque há amores assim, feitos de eternidades e de silêncios, que podem durar toda uma vida e permanecer.Tinham-se separado mortalmente feridos, há um ano atrás, sem combinar hora nem local."Na noite de S. João encontrar-se-iam algures na cidade". Ele lembrar-se-ia?Beatriz suspirou e agarrou-se ao eco da sua esperança:Encontrá-lo-ia.Ele viria.
E porque me falta o engenho e a arte, ofereço-te as palavras de um dos mais belos poemas que já li. Com muito Amor.
Inexorável, o tempo fita-nos com os seus olhos trocistas, enormes cavernas vazias onde nos perdemos à procura dos segundos.Em nome do tempo, quantas barbaridades cometemos diariamente!:corremos, perseguimos os minutos na ânsia de os vencer; marcamos, desmarcamos, remarcamos, alteramos, substituimos a vida para caber nas horas, nos dias; voamos na estrada, aceleramos em casa, no trabalho, na rua, atrasamos as chegadas e as partidas quotidianas; alargamos os prazos, dilatamos as datas, na esperança de podermos cumprir; pedimos mais tempo, só mais um pouco, para não falharmos; retardamos os momentos de descanso... e vamos, assim, escorregando inevitavelmente nas garras do tempo, tentando matá-lo, sem nos lembrarmos que ele nos vai matando, a cada pulsar dos ponteiros desdenhosos.
Primeiro a tua mão sobre o meu seio.
As palavras saíram-me um pouco ríspidas, fora do que é habitual, ásperas, quase cortantes:"Sentem-se e calem-se!".E eles, estranhando o tom tão inusitado em mim, entreolharam-se espalhando olhares inquisitivos e foram pingando o silêncio e ocupando quase constrangidos os lugares residentes.Depois, enquanto escrevia a data e o número da lição, pensei na tarefa do professor.Tinha dentro da sala, vinte e oito alunos que não poderiam perceber que a cabeça me doía horrivelmente, que as marteladas de dor me rasgavam as frontes, me obrigavam a massajar constante e inconscientemente a zona dorida e a força da luz tornara-se insuportável.Disfarçadamente, enquanto liam absortos o texto indicado, tirei um comprimido da carteira e engoli-o com um pouco de água.Era já o terceiro.E a dor teimava em não me dar tréguas... 
Porque por vezes é imperioso soltar amarras, sem medir ventos nem marés e embarcar no sonho, ao sabor da aventura.Porque por vezes não achamos as palavras certas para desfiar o turbilhão de emoções que nos assola a alma.Porque por vezes, não está lá o confidente fiel, o secreto depositário dos nossos anseios, dos nossos medos mais recônditos.Porque por vezes as palavras nos chamam, querem ser gritadas, agitadas, atiradas ao sabor das tormentas da vida.Porque por vezes, muitas vezes, estamos felizes e não temos a quem contar, não temos como contar...Porque por vezes, algumas vezes, o mundo e nós andamos desconcertados, desacertados, desatinados.Porque por vezes, tantas vezes!, temos um brilho estranho nas pregas de um sorriso, uma luz evidente, num olhar que ninguém vê.Porque por vezes, imensas vezes, nos apetece tirar a máscara e desnudar a alma.Porque...nessas alturas, só as palavras nos guiam o voo, só elas nos concedem o desafio de nos tentarmos compreender a nós próprios, de esboçar emoções solitárias e ficarmos felizes e apaziguados... 


