segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Palavras roubadas


Sonho, mas não parece.
Nem eu quero que pareça.
É por dentro que eu gosto que aconteça
A minha vida.
Íntima, funda, como um sentimento
De que se tem pudor.

Vulcão de exterior
Tão apagado,
Que um pastor
Possa sobre ele apascentar o gado.

Mas os versos, depois,
Frutos do sonho e dessa mesma vida,
É quase à queima-roupa que os atiro
Contra a serenidade de quem passa.
Então, já não sou eu que testemunho
A graça
Da poesia:
É ela, prisioneira,
Que, vendo a porta da prisão aberta,
Como chispa que salta da fogueira,
Numa agressiva fúria se liberta.

Miguel Torga, Orpheu Rebelde

2 comentários:

José Leite disse...

Miguel Torga, sempre vivo através das suas poesias carregadas de sensibilidade, de ironia, de alegria, enfim... genialidade!

Anónimo disse...

Sentia-me tentada a comentar um post que não este, mas a força da imagem que escolheste captou totalmente a minha atenção.O poema é realmente fantástico, mas vou ficar à espera das tuas próprias palavras, que "nascem não sei onde, vêm não sei como" e enfeitiçam não sei porquê.
Boa escrita!