quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Catarse


Sabes, é uma espécie de catarse, esta coisa das palavras...Eu bem tento, juro que tento guardá-las no peito, recusar-lhes a voz, mas elas são impertinentes e não me dão sossego. Desobedientes, agitam-se, primeiro devagarinho, incomodando só, depois, mais atrevidas, vão dando corpo à inquietude e o desconforto torna-se mais agressivo quando elas se impõem com toda a sua certeza e urgência. Nessas alturas, é mesmo imperioso cristalizar a vida, abrir a alma e soltá-las, uma por uma, em voos de alívio e liberdade. Foi sempre assim, não me perguntes porquê. Nem eu própria sei. Às vezes torna-se uma violência, quando teimosas, elas se debatem nas alturas mais impróprias e inesperadas, quando se unem numa muralha intransponível e me obrigam a baixar os braços e a render-me. Não, não te rias, é uma luta desigual, esta. Então sento-me, com um papel e uma caneta (sempre azul, claro, sabes que não gosto de escrever a negro) e serenamente abro a porta com humildade e permito o êxodo das palavras, aninhadas em frases jorrantes e catárticas. Depois surge o alívio, o cansaço da luta inglória, a terna rendição de quem sabe que dali a pouco todo o processo se reiniciará para se concluir do mesmo modo. Não me olhes assim, não é fácil abdicar de coisas que sabemos e sentimos tão nossas, nem tão pouco assumir desassossegos publicamente mas sabes, deixei de ter medo delas, das palavras. Acarinho-as com meiguice, estudo-lhes a melodia, o ritmo, a sonoridade, peso-lhes a expressão e há sempre uma, entre elas, que melhor me traduz o sentir, o pensar. E há as que nada significam, as inofensivas, as indiscretas, as urgentes, as adiadas, as sofridas, as ternas...milhões de palavras à espera de serem atiradas à ventania de quem lê. Porque quem lê (já te disse isto vezes sem conta), não lê o que eu escrevo, lê apenas o que quer ler e sentir. E até as palavras que eu te cravo no peito e te fazem vacilar, às vezes não são balas, são somente melodias de ecos que só eu ouço, que só eu sei. Por isso se impõe a purificação, a catarse. Mas isto, claro, já eu te tinha dito mais de mil vezes.

1 comentário:

Anónimo disse...

Nada a declarar.
Deixaste-me sem palavras.