quarta-feira, 14 de maio de 2008

Déjà vu


Subitamente, a memória escorre com uma liquidez assustadora, pingando pedaços de vivências que quase juro já terem acontecido... E no entanto, sei que é impossível, que nunca ocorreu. Às vezes é uma conversa, um ruído, uma música... outras um encontro, um cheiro singular, uma sensação única... e a memória inicia a sua manobra de diversão, a fazer-me acreditar que já vivi aquele momento numa outra altura. É sempre assustador, ninguém gosta de ser confrontado com estilhaços perturbadores de origem ignota, a fazer presente a ideia de que somos feitos tão somente de matéria... mas que nada sabemos de nós, afinal de contas... Que a mente humana, o mais insondável de todos os mistérios, se diverte brincando a um jogo cujas regras não controlamos... E nessas alturas, de mãos dadas com o medo, com o desconforto, paira a sensação inegável de que há viagens que a alma realiza à revelia da mente, a obrigar-me a reconhecer com humildade o abismo misterioso que é o ser humano.
Por que razão me apetece falar disto hoje, dar voz a algo que não compreendo? Não sei bem... talvez porque hoje, à mesa do café, inesperadamente a sensação de déjà vu me assaltou enquanto lia o meu livro, perdida em mim e o som de uma música antiga que eu adoro encheu todo o ambiente, tomando conta de todos os ruídos, paralisando até o tempo, que estagnou cristalizado nos ponteiros do relógio.

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