
Que nunca caiam as pontes entre nós...
Pedro Abrunhosa
Que dias há que na alma me tem posto/ um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê. - Luiz Vaz de Camões

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Ontem foi uma noite muito importante para mim. Profissionalmente falando, era uma daquelas noites que demoram meses a preparar, são pensadas e trabalhadas até ao mais ínfimo pormenor e nos absorvem a atenção e a energia enquanto nos roubam também, horas de tranquilidade. Assim era a noite passada. Aliada a tudo isto, a agravante de a mim me custar imenso falar em público, de eu detestar ser o centro das atenções enquanto rosto de uma actividade, enquanto anfitriã de uma noite cheia de formalidades. Nesta última semana andei amargurada, com um estranho frio a coser-me a barriga e o pensamento recorrente de que algo iria correr muito mal... Invadia-me o medo de esquecer-me das palavras, ter um ataque de tosse, cair nos degraus, trocar o nome aos convidados, errar o alinhamento, perder as cábulas... tudo me ocorreu. Andei a falar sozinha a semana toda, procurando a segurança na solidez do trabalho. E elas sabiam. Tentavam sossegar-me, brincavam comigo, troçavam da minha insegurança... e prometeram estar lá. Apesar de eu saber que a actividade não lhes interessava tanto assim, que era fim de semana e mereciam o descanso de uma sexta à noite sem compromissos ou correrias... Apesar disso, elas foram e sentaram-se na primeira fila. Pertinho de mim, para que eu lhes sentisse a solidariedade em primeira mão, a confiança nos olhares que me enviavam. E soube-me tão bem, vê-las ali! Mesmo sabendo que uma delas tinha abdicado do jantar semanal com o pai, que cumpre religiosamente há já uns anos, e a outra não tinha vestido o pijama ao filho mais novo e não lhe tinha lido uma história antes de o adormecer num abraço quentinho. Mesmo assim, a presença de ambas reconfortou-me e deu-me segurança. Eu sabia que tinha ali duas amigas que acreditavam em mim e não queria desiludi-las, queria que elas aproveitassem a noite e que tudo corresse pelo melhor... E acho que correu... Talvez a assistência não se tenha apercebido de que a minha voz tremia e ninguém reparou que houve uma ligeira alteração no alinhamento... Por esquecimento meu, claro está, que às vezes os nervos põem-me obtusa... Mas não caí, não tossi, não troquei o nome aos meus ilustres convidados, não perdi as cábulas nem tive nenhuma branca... E a noite terminou num ápice, como termina tudo o que demora meses a preparar... apenas em algumas horas exigentes e tensas que se esfumam rapidamente. .jpg)
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