Tenho andado distraída. Preocupada com inúmeras coisas, atormentada com nós que não posso desatar, angustiada com ventos que não consigo travar, não tinha ainda reparado. Mas hoje reparei. Hoje olhei e vi.
No meu jardim, as azáleas estão ao rubro, explodem exuberantes em gritos de cor e beleza. A magnólia ergue-se majestosa e imponente, carregada de flores, exibindo orgulhosamente todo o seu esplendor. As estrelícias levantam a crista colorida, desafiando os céus e até a oliveira plantada há meses atrás, denuncia rebentos tenros e verdinhos, frágeis e tímidos, como que receando estar a adiantar-se ao calendário. As hortênsias vestiram os galhos tristes e secos e parecem tufos redondos de verde, lembrando cogumelos gigantescos que serão em breve o abrigo dos caracóis. Os jarros sorriem no alvor da sua candura e as orquídeas já rebentaram os bolbos debaixo da terra e espreitam com olhos cor de musgo a vida cá fora. E hoje vi as abelhas pela primeira vez. Tontas com a cor e os aromas desta natureza que renasce, volteavam e zumbiam embriagadas no morno da tarde. E já cá estão os melros, as pegas, os pardais, as rolas e os estorninhos. Vi-os e ouvi-os hoje, em danças encantadoras, perdidos nos rituais de enamoramento e em breve farão os seus ninhos nos beirais da casa, nas chaminés ou no grosso tronco da velha palmeira. Vieram para ficar e já não partem.
Como é que eu ainda não tinha visto? A Primavera anda a bailar no meu jardim e eu andava distraída. E esta é a altura do ano em que me sinto mais feliz. Os dias crescem mornos e preguiçosos, os corpos vão pedindo agasalhos menos severos, tudo rebenta em luz, cores e aromas. É surpreendente e fascinante como tudo renasce, tudo se renova, a vida enterrada e adormecida debaixo do chão, desperta e retoma o seu lugar. Porque é quase Primavera, sinto uma felicidade secreta, uma esperança renovada, acompanhando o crescer da luz dos dias, o doce temperar do calor das noites, que me prometem o fim do Inverno em mim.
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