domingo, 28 de março de 2010

Nas asas de um sonho


E abri finalmente a gaveta onde guardava o meu sonho. Era um sonho bonito, cheio de sol, e cheirava ao sargaço desmaiado na areia, sem um lamento, para onde o atira a maresia ao fim de um dia de Verão. O meu sonho cheirava a mar e se me encostasse bem a ele, ouvia as ondas no seu marulhar feliz e tranquilo. Era um sonho azul, de um azul infinito e suave onde apetecia naufragar... Mas o meu sonho não me pertencia, tinha-o roubado um dia a umas mãos que mo estendiam aos pedaços e ia guardando todos os estilhaços, sem saber bem porquê. Porque prendemos pedaços de sonhos? Talvez como Ícaro, tenhamos a ambição de voar, mesmo que as nossas únicas asas sejam as do pensamento... E hoje quando abri a gaveta onde o tinha fechado para que não fugisse de mim, o meu sonho olhou-me sem brilho e não sorria já, era só um pedaço de sonho que se queria ir embora, que queria partir, voar num céu que só ele via... E eu entendi que não se pode conservar um sonho que não quer ser nosso, que não quer pertencer-nos, que deseja rasgar-nos o peito e sair de asas abertas, num vôo eterno... Entendi. E antes de voltar a fechar a gaveta, peguei no meu sonho bonito, abri de par em par todas as portas da alma e com os olhos cheios de água, deixei-o voar...

2 comentários:

Lídia Borges disse...

O teu texto fez-me ir aos meus arquivos procurar este que tem mais de dois anos, seguramente.

Foi na hora do sol partir
Para o outro lado do mundo
Que um sonho dourado, talvez
Me caiu inteiro aos pés
Num abandono profundo

Em surpresa mergulhado
Pus-me a olhá-lo, com atenção
Maltratado, rosto cansado
penas tantas, no coração

Abriu os olhos sem cor
E em sons secos de dor
Pediu-me que o não sonhasse,
Que, por dó, o libertasse

Não podendo resistir
Vi-me assim desistir,
Vencida, do verbo sonhar
Do verbo, seiva da vida,
Que já não sei conjugar.


Que é feito do sol que não quer regressar?
Afogou-se nas águas do mar?

Lídia Borges

Um beijo meu, Amiga

Anna disse...

E um beijo meu, Amiga... Com as mãos trementes e os olhos molhados... Porque devíamos poder sonhar todos os sonhos, porque nenhum sonho devia ser abandonado.