segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O lugar das memórias

 


Guardava alguns silêncios e também as coisas
que não dissera por acaso. Guardava agora também
esses acasos, brancos recados entre as palavras
que lhe sobravam nas gavetas. E ainda assim guardaria
para sempre essas palavras, ou a imagem de lábios a
dizê-las ― um rosto ainda sem ser triste lembrando o verão.

Teria aguardado esse verão, o cheiro quente dos morangos
à beira os dedos. E tê-lo-ia sobretudo guardado,
como guardava agora, sem nunca o ter ouvido, o som
das espigas, na planície, à passagem do vento.

Mas agora só podia aguardar a passagem do tempo
sem palavras; ou um vento de feição, um acaso
que tudo justificasse. E no silêncio em que se ia guardando
buscava apenas um lugar mais sereno para as memórias.

Maria do Rosário Pedreira, in A Casa e o Cheiro dos Livros

8 comentários:

Mar Arável disse...

Que chovam relâmpagos

para alumiar as urnas

Lídia Borges disse...


Tenho vindo a descobrir esta autora aos poucos e o que, no início, me parecia pungente, disfórico, agora parece-me belo.
Como este poema que nos trazes.

Beijinho

Anna disse...

Obrigada pela visita, Eufrázio.

:)

Anna disse...

É uma poesia lunar, sim... Mas profundamente emotiva, sensível, bela... Uma autora recentemente premiada e da qual quero ler tudo :)

Beijos, Lídia.

Gustavo disse...

Descobri o seu blog por um feliz acaso. Gosto do título "DE PROFUNDIS" e da "valsa lenta" da Amélie Poulain. Achei magnífico o poema da Maria do Rosário Pedreira e agradeço ter-mo dado a conhecer. Na qualidade de virtuoso devorador de sentimentos, voltarei certamente a este seu mundo muitas mais vezes.

Anna disse...

Gustavo,

Muito obrigada pela generosidade das suas palavras... Volte sempre que queira, as portas do meu mundo estão abertas para os amigos e para a partilha. Retribuirei a visita e irei conhecer o seu espaço...

Deixo-lhe um sorriso :)

Gustavo disse...

Embora tenha encontrado generosidade nas minhas palavras, eu apenas as sei cuspidas do coração... Quanto ao meu "espaço", ainda jaz dentro de mim, à espera de uma coragem furtiva...
Abraço.

P.S. Estive a ler uns textos seus e gostei muito!

Anna disse...

Gustavo,

Agora foi ainda mais generoso... :)
Muito obrigada pelo carinho!
Quanto ao seu espaço, ficarei à espera que seja o momento...

Até breve :)