
Chamo-lhe meu. O meu mar. Não que tenha sobre ele qualquer direito de possessão mas o meu coração reclama-lhe a pertença. Porque é preciso saber amar o mar. E não conheço nada mais fascinante, mais insondável e misterioso, mais perturbador ou belo... Gosto de tudo nele, da maneira como muda de cor, do cheiro, da meiga mansidão azul dos dias quentes e mais, muito mais, da fúria incontida das vagas alterosas que se elevam em espuma e força, que rebentam no negro das rochas, desfeitas em vento salgado... Gosto de ouvir a voz do mar, a única música cujos acordes são impossíveis de decorar ou prever, porque é sempre diferente... E no entanto, tão igual a si própria, na canção que acalma ou perturba... Sempre intensa, como uma poesia que não sabemos de cor mas cujas palavras reconhecemos nas primeiras sílabas.
Hoje dizia-se que de tarde, o mar galgaria a estrada. Acontece raramente, mas é um espectáculo lindíssimo... E quando o mar recua, deixa a areia abandonada nos passeios, em montes de uma branquidão inesperada, com salpicos de luz e brilho...
Chamo-lhe meu, sim. Chamo-lhe meu porque entre muitas outras coisas, o mar traz-me as palavras de volta... Quando julgo que as perdi, o mar abre as portas do meu peito e permite o regresso das palavras... De todas as palavras.