quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Ó Stora...



Falávamos de sonhos materiais, de coisas que o dinheiro pode comprar e que nos fariam felizes. E de repente, um deles disparou a pergunta:

- Ó stora, o que comprava se lhe saísse o euromilhões?

Calei-me. A turma olhava-me suspensa na curiosidade da resposta. Vinte e oito pares de olhos vigilantes trespassavam-me a mente, tentando adivinhar as preferências que lhes pareciam mais evidentes. Alguns, baixinho, faziam apostas. Percebi então que não poderia contar-lhes. Nunca conseguiria explicar-lhes que à saída de uma curva da pitoresca estrada de paralelos, ele se ergue imponente, majestoso na sua velha altivez de pedra, oferecendo aos passantes uma imagem de inesperada beleza. Altivo, abraçando o mar até ao horizonte... E solitário. Como um rochedo. Não conseguiria dizer-lhes da serenidade que o envolve, o corpo sólido sobre a escarpa, enterrado nas dunas brancas de areia muito fina e macia... ou das janelinhas de madeira escura que se abrem mais perto do céu. Lá dentro há uma escada tosca que conduz ao piso de cima onde junto às vidraças eu encostaria uma mesa larga com os meus livros espalhados em desalinho e onde me sentaria a escrever... Como contar-lhes? Como descrever o cheiro a maresia do vento salgado, o entardecer do sol que morre devagar avermelhando os céus a ocidente, e os gritos das gaivotas rasgando as águas do meu sonho? Não... Não saberiam que eu forraria as paredes com estantes carregadas de livros e haveria uma cadeira de baloiço, daquelas que já não existem, onde me sentaria a ler na urgência da solidão e do silêncio... Ficariam sem saber do meu moinho, do meu refúgio sonhado num sonho tão longínquo, do minúsculo pedaço de paraíso encostado ao mar, tão próximo das estrelas...

Sorri-lhes. Falei-lhes na típica viagem à volta do mundo... E a aula prosseguiu calmamente até que o toque da campainha os libertou para os jardins da escola, na alegria ruidosa de todas as manhãs.

12 comentários:

Anónimo disse...

Eles teriam percebido! E agradecido até. Agradecido o testemunho de vida duma professora cujo horizonte vai muito álem do que a vista alcança ou um qualquer voo charter numa viagem à volta do mundo pode alcançar...Eles teria percebido!E agradecido até. Que uma professora tivesse partilhado sonhos e valores que vão muito além da pequenez do dinheiro...Que lhes mostrasse o prazer para além dos caminhos faceis que a vida lhes sugere...Elesteriam percebido.! E até agradecido.Eles teriam agradecido que alguém tivesse ido além da missão de ensinar e tivesse tido a ousadia dos inspirar. Se assim fosse você teria cumprido o seu destino.Inspirar esta geração que o País lhe confiou. Não se esconda. Leve-os ao seu moinho...

Cumprimentos,
Pedro Gaivota

Anónimo disse...

...curioso caminho esse que leva alguém simultaneamete para a felicidade e para a solidão...

Lídia Borges disse...

Paulinha, o dinheiro sempre na base dos sonhos.
Até dos sonhos dos poetas.

Essa necessidade de um refúgio onde o silêncio e os livros são a companhia por excelência, não é exclusivo do teu querer.
Um dia. Quem sabe, um dia.

Um beijo!

ORPHEU disse...

APULIA... Gosto tanto!!!!!!
Gosto tanto de te ler e dos teus sonhos...!

Beijos

WOLKENGEDANKEN disse...

Ola colega ! Bonito sonho! e por que nao compartilha-lo com os alunos ? Eu sempre acho muito bem que os jovens vejam que o mundo inteiro nao esta "sincronizado" no consumismo, que existem pessoas que tem sonhos "diferentes", que existem enfoques da vida "diferentes" que todos somos diferentes mas com os mesmos direitos de seres humanos que é possivel viver a propria vida sem seguir o dictado da masa .....

Anna disse...

Pedro, são tão bonitas as tuas palavras...Estás certo, talvez devesse ter partilhado um pouco de mim com os meus alunos... Mas sabes, prendeu-me o medo de que me considerassem apenas uma lunática, uma eremita em fuga dos outros e de si própria... Talvez daqui a uns anos a vida lhes permita perceber que às vezes precisamos de fugir dos outros para nos encontrarmos connosco, para nos equilibrarmos... Mas esta não era ainda a altura.
Obrigada pela companhia,

Um beijo

Anna disse...

Caro Anónimo, são curiosos e insondáveis os caminhos do coração. E o meu, acredite, não encontra a felicidade apenas na solidão, ele precisa do mundo para estar completo. No entanto, sempre me apaziguei a sós comigo e é assim que me reestruturo, me reequilibro, para poder entregar-me aos outros... Como eles merecem.
Obrigada pela visita e pelas palavras.

Anna disse...

ORPHEU, obrigada pelo carinho :)

Beijo

Anna disse...

WOLKENGEDANKEN :)
Tinha saudades de ouvir a tua voz...
O desafio que o texto propunha era o de imaginar que possuíam todo o dinheiro do mundo mas só poderiam fazer uma compra. Uma única compra. Os meus alunos são adolescentes entre os 15/17 anos e não teriam compreendido que à medida que crescemos precisamos cada vez menos de coisas materiais e que os nossos sonhos adquirem dimensões mais profundas... Que encontramos a felicidade em coisas tão simples e pequenas como possuir um velho moinho debruçado sobre o mar onde a leitura e a escrita proporcionem infinitas viagens à volta de todos os mundos possíveis... Mas eles vão crescer, vão descobrir sozinhos... E vão saber.
Obrigada pelas palavras, volta sempre :)

Beijo

Anna disse...

Lídia querida, é impressão minha ou acabaste de me chamar poeta?? :)
Eu sei que tu me compreendes... e sim, quem sabe, um dia...

Bom fds,

Beijo

Miss B-Beautiful disse...

Tens selinho à espera no meu blogue!

Bjos*

Anna disse...

Obrigada pelo carinho, Miss B-Beautiful :)

Beijo