Que dias há que na alma me tem posto/ um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê. - Luiz Vaz de Camões
segunda-feira, 28 de março de 2011
segunda-feira, 21 de março de 2011
Tão simples, amar uma árvore...

Tão simples, amar uma árvore.
Tão simples, a sua calma sabedoria milenar, crescendo lentamente, apontando aos homens o azul caminho dos céus, a estrada de luz onde exaustos e cabisbaixos não perdemos tempo a demorar o olhar... Uma árvore é um poema feito de seiva, com as raízes enterradas no coração da terra e os braços tentando alcançar o sol...
Tão simples, amar uma árvore... Aprender com o seu silêncio, com a beleza da sua paz, a receber com a mesma tranquilidade o calor e a chuva, o vento e as tempestades... Uma árvore é um poema verde... e consegue ainda explodir em flores, rebentar em frutos e desmaiar em sombra fresca, aceitando apenas aquilo que surge ao seu encontro...
Tão simples, amar uma árvore, casa das aves e dos bichos, perfume único e irrepetível à desfilada no vento que faz oscilar os seus ramos na dança mais vadia de todos os entardeceres...
E no entanto, nós matamos as árvores. Cortamos-lhes os ramos e dilaceramos-lhes o tronco em busca de madeira para queimar, em busca de papel onde possamos registar o nosso vazio... Arrancamos-lhes as raízes. Reduzimos a pó a poesia que a terra escreve diante do céu.
Uma árvore respira-se e ama-se como se fosse um poema...
Tão simples, amar uma árvore.
Da Poesia
domingo, 20 de março de 2011
Ofereço-te a Primavera

Ofereço-te aves de asas abertas
e um cheiro a madressilva orvalhada
Ofereço-te todas as cores
de um arco-íris pintado
no mesmo céu que ambos vemos
Ofereço-te a música e a espuma
das ondas do meu mar salgado
numa sonata tocada a duas mãos
Ofereço-te o meu sorriso...
Abre de par em par
as portas do teu coração
Porque já é Primavera...
... Sabias?
(Não respondas...)
sábado, 19 de março de 2011
Sabes, Pai...

a cadeira está vazia, um corpo ausente
não aquece a madeira que lhe dá forma
e não ouço o recado que me quiseste dar
nem a tua voz forte que grita meninos
na hora do acordar
ouço o teu abraço, no corredor em gaia
e os olhos molhados pela inusitada despedida
o sol foge
mas o crepúsculo desenha a sombra que
tenho colada aos pés
ou o espelho, coberto com a tua face
pai, digo-te
a minha sombra és tu
Jorge Reis-Sá, A Palavra no Cimo das Águas
sexta-feira, 18 de março de 2011
Palavras roubadas
quinta-feira, 17 de março de 2011
No teu abraço
quarta-feira, 16 de março de 2011
segunda-feira, 14 de março de 2011
Pintar o silêncio
domingo, 13 de março de 2011
Na água das palavras

Queria ter estado junto a ti hoje.
Os meus lábios andaram em fogo todo o dia
e fugiam para o teu nome
quando lhes soprava a aragem da poesia
Já não me reconheço
Não percebo quase nada do que digo
nem sei em que língua me disperso
As palavras saem-me da boca, todas
de mão dada
contigo
mas engulo o teu nome
sempre que mergulho num verso
Mário Lopes, 14 de Fevereiro
domingo, 6 de março de 2011
quinta-feira, 3 de março de 2011
O Questionário

A primeira pergunta era difícil, pedia que descrevesse a memória mais antiga da infância. Em silêncio pousou a caneta e brincou com as pontas do cabelo, como sempre fazia quando se sentia desmoronar, enrolando-as devagar entre os dedos, deixando-as depois fugir com lentidão e escorregar sobre os ombros numa chuva macia e brilhante. Mordeu os lábios para que não tremessem e recordou. Pela porta entreaberta do consultório, o corpo do pai, caído de bruços no chão de longas tábuas de madeira dourada. O corpo do pai, definitivamente tombado, irremediavelmente perdido. Para sempre. Tinha quatro anos. Tinha no colo uma boneca loira com olhos azuis que abriam e fechavam... Tinha todo o medo no peito... Tinha uma dor estranha, funda, negra e fria, no lugar do coração.
Escreveu "Uma manhã de Natal" e leu a segunda pergunta. Outra vez uma memória, desta vez a mais feliz memória da infância. Sorriu e lembrou-se do colo do avô, do sorriso do avô, das histórias do avô, dos passeios de mãos dadas com o avô... Lembrou-se de todos os gestos, da voz, do cheiro do homem que mais amara na vida. O homem que substituira o seu pai, e a protegera, e a acarinhara... O homem que tinha perdido aos dez anos.
(...)
Inevitavelmente, o questionário ficou incompleto, como tantas outras coisas na sua vida...
Porque uma criança não devia perder pessoas... Uma criança não devia ser obrigada a fazer lutos.
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