quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A negação da tristeza


A moda do pensamento positivo irrita-me profundamente. Mais do que moda, a tirania do sorriso está por todo o lado, esmaga-nos a cada passo, a todo o tempo. E parece que veio para ficar. Desenvolveu-se uma espécie de asco contra a tristeza, a melancolia, o pessimismo, que é moderno e fica bem defender. A ditadura do bem-estar não admite o incómodo natural de quem não se sente feliz todos os dias. E eu pecadora me confesso: não estou feliz todos os dias. Às vezes dói-me a alma... Às vezes vejo tudo negro... Às vezes sinto que errei todos os minutos do meu dia... Às vezes ando triste e gostaria de poder admitir a tristeza sem que isso fosse visto como uma doença maligna, um tumor nefasto e invasor da felicidade alheia. O pensamento positivo é agora bandeira dos portugueses, neste país pequenino de brandos e hipócritas costumes e vive acasalado com a mentalidade tão cristã de que cada um deve levar resignado a sua cruz ao calvário, penar sozinho as suas dores. Por isso, quando alguém está triste não tem o direito de incomodar os outros... Deve arvorar um belo e ostensivo sorriso para não ferir o pensamento positivo daqueles com quem convive. Afinal, toda a gente sabe, o pensamento positivo cura o cancro, faz descer as taxas de juro, põe a pele mais bonita, elimina a celulite mais incrustrada e atenua as rugas, mata a fome e as dívidas, impede até as catástrofes naturais, controla e domina o tempo. Temos que andar todos alegres e contentinhos, unidos no espírito do rebanho, neste mundo desigual, onde cada vez mais somos diferentes e punidos por isso.
A intolerância à tristeza está relacionada com a visão de um mundo melhor, quase paradisíaco, cheio de esperança, onde é preciso ignorar que se mata, se rouba, se despede, se espezinha, se tortura em nome de deuses, se vira o rosto para não ver o sofrimento dos velhos, das crianças, dos sem-abrigo, se massacram povos na luta por ideais... Não. Neste mundo não estou feliz todos os dias. E gostaria de poder assumi-lo, de chorar as minhas lágrimas sem que isso fosse um atentado impensável ao pensamento positivo. Afinal, qual é o mal de estar triste? Não deveríamos antes assumir a tristeza em vez de fazer das tripas coração, não deveríamos engolir os sorrisos amarelos e exibir as lágrimas transparentes da tristeza? Quando me sinto triste e me olham de soslaio, como se eu fosse um caso raro de loucura depressiva a precisar de medicação ou internamento urgente, eu lembro-me sempre das palavras do Álvaro de Campos no belíssimo poema Lisbon Revisited:


(...)
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

(...)
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Ele sentia-se só e triste. E pelo menos tinha a coragem de ser sincero. Tinha a audácia de ser diferente.

2 comentários:

Esperanza disse...

Gosto do que escreves e as vezes faço minhas as tuas palavras...
Bjo

Anna disse...

Obrigada Esperanza, eu também gosto de te ler.
:)