quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Ó Stora...

Viram-me chegar e notaram-me logo diferente. São só catorze alunos e temos uma relação muito especial, uma partilha que ultrapassa a mera transmissão de saberes, o estatuto de professor-aluno imposto pela hierarquia pedagógica. Enquanto abria a porta da sala e eles entravam, as perguntas choviam, como sempre. Queriam saber de mim, o que tinha de estranho... Lá lhes confessei que tinha estado embrenhada nas minhas coisas, que me distraíra, que quando olhara para o relógio era tardíssimo, que tinha voado na estrada e quase perdera a hora da aula... Desabafei com eles que me tinha esquecido de almoçar e bombardearam-me com protestos, com conselhos, com pedidos (Ó Stora, nós esperamos aqui caladinhos, vá lá comer qualquer coisa...!). Tranquilizei-os, eu estava bem, aguentava até ao intervalo, e depois, eles sabiam que o professor não pode abandonar a sala... Calaram-se. Comecei a aula e a dada altura, tive que escrever no quadro. Não sei como o fizeram, como o combinaram, mas quando voltei a encarar a turma, sobre a minha secretária estava uma barrinha de cereais e um iogurte líquido juntamente com o bilhetinho amoroso. Primeiro fiquei sem palavras, depois quis saber quem ficara sem lanche. Unidos na coesão que os caracteriza, não se descoseram. Tinham sido todos e exigiam que eu almoçasse!
Não foi com certeza ético comer dentro da sala mas estes miúdos mereceram que eu tivesse feito a transgressão. São bons meninos, jovens solidários e atentos aos outros, estudantes com sonhos e ambições que, no entanto, não se deixam cegar pela competitividade. Gostam de aprender. Gostam de Literatura. Gostam uns dos outros. E eu adoro trabalhar com eles. 
Obrigada, Turma de Literatura!

4 comentários:

Lídia Borges disse...


São generosos, sim! Eles sabem bem quem os ama e não precisam de mais do que isso para manifestar solidariedade.

Quem te lê, fica com uma ideia mais real do que é uma escola, uma sala de aula, já que a comunicação social (e não só) está empenhada em fazer passar da Escola, uma imagem de quase campo de batalha.
Nunca vi uma reportagem ou uma entrevista em que a relação professor/aluno fosse enaltecida.

Enfim! Sinais dos [maus] tempos.

Beijinho



Anna disse...

Ainda tenho esperanças que os tempos mudem... A bem dos professores, dos alunos, da escola!

Beijo meu

Gustavo disse...

Perante valores como "cumplicidade" e "carinho" deixemos a "hierarquia" e a "ética" à porta! Mais um momento de pura magia (imagino como se deve ter sentido!!!) Estas histórias recorrentes entre a Anna e os "seus meninos" já davam um livro com inegável direito à sétima arte!
Incrível, saio sempre daqui com um sorriso na alma!
Abraço.

Anna disse...

Eles fazem-me feliz, sim!

Abraço, Gustavo :)