domingo, 20 de outubro de 2013

No teu abraço...

A arrumar gavetas mortas, apareceste-me tu de repente, do meio das sombras e do silêncio. Não contava contigo, a sorrires-me do fundo da fotografia antiga de meio corpo, tal e qual como eu te recordo, o vestido preto com bolinhas brancas e a gola de renda de Veneza, caríssima, que tinhas encomendado na retrosaria do mercado e que tu mesma coseste, com pontos pacientes e perfeitos. Sorris-me. E é o mesmo sorriso com que me ensinavas lengalengas e trava-línguas, provérbios e pequenos poemas que ainda hoje recito sem hesitar... Os estranhos labirintos da memória cruzam-se em imagens que eu não sabia que guardava ainda e devolvem-me os teus olhos meigos cheios de luz... Como sabias que hoje eu precisava tanto de ti? Como adivinhaste? Encosto-me à parede e sento-me no chão com a tua foto entre as mãos, roubo-lhe cada detalhe, todos os pormenores... Choro de saudade, no teu colo... E então, vinda cá de dentro, talvez do coração, a tua voz roubada ao passado, repete baixinho, num embalo que me apazigua, todo cheio de doçura:
 
Rei, Capitão,
Soldado, Ladrão,
Menina bonita
do meu coração...   
 
Faço-me menina, outra vez... E a noite veste-se de silêncio só para te escutar...

5 comentários:

Anónimo disse...

"Que dias há que na alma me tem posto/ um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê." - Luiz Vaz de Camões

;)

Anna disse...

Caríssimo... É tanto isso...!!!

Um beijo :)

Anónimo disse...

Simplesmente mágico e memorável,não há palavras para explicar a arritmia que se sente ao ler este pequeno texto cheio de emoção,choro e ao mesmo tempo alegria. Parabéns por ter este enorme dom,a escrita.

Anónimo disse...

Simplesmente mágico e memorável. Não existem palavras possíveis que expliquem a arritmia que se sente ao ler um texto com este cheio de emoção,choro e ao mesmo tempo alegria.Parabéns por este dom tão maravilhoso e raro,a escrita.

Anna disse...

Muito obrigada, Caro Anónimo, pela ternura e generosidade das suas palavras!