
Que dias há que na alma me tem posto/ um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê. - Luiz Vaz de Camões
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
O Amor é uma maçada...

quarta-feira, 28 de novembro de 2007
Palavras simples
terça-feira, 27 de novembro de 2007
Lágrimas

E hoje, inesperadamente, vi-te. Tinha saído do trabalho feliz, com vontade de exercer o meu direito à futilidade e fui passear, ver montras, respirar o sol. Caminhava em ziguezague pela rua pedonal, cheia de gente como eu, sem pressa, solitária e distraída. E vi-te. Primeiro sem perceber bem que tu eras tu, algo vagamente familiar no teu rosto me denunciava o alarme da memória e precisei de alguns minutos para te situar no meu passado, em vidas tão longínquas e distantes que não me lembrava já de ter vivido. Até que, como o riscar de um fósforo, tudo se iluminou e as recordações aí estão, intactas. Tentei contar os anos de ausência...talvez vinte. Nem mais, vinte anos sem nos vermos, sem nos falarmos, sem saber de ti. Talvez por isso a tua imagem fosse como um soco, apanhado em cheio em desprevenido rosto. Os ombros curvados, a magreza cadavérica, a palidez de cera, os olhos sumidos num rosto todo ele dor, todo ele sofrimento, nada fazia evocar a menina feliz que então eras. Sentavas-te ao meu lado, éramos parceiras, lembras-te? Tinhas uma fita vermelha a segurar-te os cabelos que ia escorregando ao longo da manhã e que acabavas por abandonar ao lado do estojo. Ali pousada, era uma mancha escarlate gritando a alegria de cada letra, de cada número. Tinhas uma caneta que cheirava a morango e uma enorme borracha branca a que chamávamos sabonete e que o teu pai te tinha trazido de Espanha. E partilhávamos o lanche no recreio depois dos saltos à corda ou do jogo às escondidas. Trocávamos as pratinhas de chocolate que guardávamos entre as páginas dos livros como tesouros raros. Éramos como irmãs e prometemos nunca nos separarmos... Tu querias ser hospedeira... será que és?Ali paralisada, em plena rua, algo em mim desejava secretamente que não me reconhecesses, que nos meus olhos não lesses o terror de te saber tão doente... e a vida fez-me a vontade. Passaste sem me olhar e eu fiquei cosida com as montras, a ver-te afastares-te lentamente, como se carregasses contigo todo o infortúnio desta vida. Senti-me mal, muito mal. E agora sei que se não houvesse lágrimas nos meus olhos, se um nó terrível não me apertasse a garganta, te teria chamado, te teria convidado para um café onde pudéssemos escoar a saudade. Mas não consegui. O teu nome (tão raro, tão único! nunca mais conheci ninguém com um nome assim), ficou a pairar-me nos lábios e no coração. Não sei se voltarei a ver-te. Na minha dor, por mais que eu queira apagar a imagem, ficará a memória da tua silhueta esquelética afastando-se devagar, arrastando consigo a sombra da morte como um negro véu diáfano definitivamente preso aos teus ombros.
domingo, 25 de novembro de 2007
Palavras justas

Os Direitos Inalienáveis do Leitor
1- O direito de não ler.
2- O direito de saltar páginas.
3- O direito de não acabar um livro.
4- O direito de reler.
5- O direito de ler não importa o quê.
6- O direito de amar os "heróis" dos romances.
7- O direito de ler não importa onde.
8- O direito de saltar de livro em livro.
9- O direito de ler em voz alta.
10- O direito de não falar do que se leu.
Daniel Pennac, Como um Romance
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
terça-feira, 20 de novembro de 2007
Silêncios

A chuva chegou por fim
pingando a ausência
do quente dos dias...
Encharcando a cidade,
tudo invade de lama,
arrastando
folhas mortas,
ramos partidos,
restos gelados
de sujidade.
Lentamente,
como se algo se quebrasse
cá dentro,
gotas de desalento
instalam-se em mim,
esta espécie de melancolia líquida,
de frio na alma,
que me embrulha a saudade,
me obriga a encolher-me no silêncio,
à espera do regresso adiado
do astro rei.
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
domingo, 18 de novembro de 2007
Parabéns Cris!

Guarda sempre o teu sorriso e mantém a luz no olhar...
Que o teu coração continue a ser a janela aberta para a linguagem da ternura e dos afectos e que os teus gestos mais simples, as tuas palavras mais singelas, sejam o reflexo da serenidade que mereces...porque sei que persistirás no hábito de derrubar muros e construir pontes em direcção ao universo dos que amas.
Desejo-te toda a felicidade e hoje, muito especialmente, beijo-te com carinho.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Palavras líquidas
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Catarse

Sabes, é uma espécie de catarse, esta coisa das palavras...Eu bem tento, juro que tento guardá-las no peito, recusar-lhes a voz, mas elas são impertinentes e não me dão sossego. Desobedientes, agitam-se, primeiro devagarinho, incomodando só, depois, mais atrevidas, vão dando corpo à inquietude e o desconforto torna-se mais agressivo quando elas se impõem com toda a sua certeza e urgência. Nessas alturas, é mesmo imperioso cristalizar a vida, abrir a alma e soltá-las, uma por uma, em voos de alívio e liberdade. Foi sempre assim, não me perguntes porquê. Nem eu própria sei. Às vezes torna-se uma violência, quando teimosas, elas se debatem nas alturas mais impróprias e inesperadas, quando se unem numa muralha intransponível e me obrigam a baixar os braços e a render-me. Não, não te rias, é uma luta desigual, esta. Então sento-me, com um papel e uma caneta (sempre azul, claro, sabes que não gosto de escrever a negro) e serenamente abro a porta com humildade e permito o êxodo das palavras, aninhadas em frases jorrantes e catárticas. Depois surge o alívio, o cansaço da luta inglória, a terna rendição de quem sabe que dali a pouco todo o processo se reiniciará para se concluir do mesmo modo. Não me olhes assim, não é fácil abdicar de coisas que sabemos e sentimos tão nossas, nem tão pouco assumir desassossegos publicamente mas sabes, deixei de ter medo delas, das palavras. Acarinho-as com meiguice, estudo-lhes a melodia, o ritmo, a sonoridade, peso-lhes a expressão e há sempre uma, entre elas, que melhor me traduz o sentir, o pensar. E há as que nada significam, as inofensivas, as indiscretas, as urgentes, as adiadas, as sofridas, as ternas...milhões de palavras à espera de serem atiradas à ventania de quem lê. Porque quem lê (já te disse isto vezes sem conta), não lê o que eu escrevo, lê apenas o que quer ler e sentir. E até as palavras que eu te cravo no peito e te fazem vacilar, às vezes não são balas, são somente melodias de ecos que só eu ouço, que só eu sei. Por isso se impõe a purificação, a catarse. Mas isto, claro, já eu te tinha dito mais de mil vezes.
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Oaristo
domingo, 11 de novembro de 2007
Pura Magia

tingiam de morno
o horizonte
e a vida parou, emudecida.
Os ventos, serenados
e tranquilos
voavam mansamente
sobre a cor meiga
das areias desmaiadas
e até a espuma nos rochedos
se aquietou
e esperou.
Nos teus olhos,
todas as cores do ocaso,
o brilho e a liquidez
de todos os mares.
Há instantes assim,
de pura magia.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Uma chance em mil

Caminhava devagar e atenta no meio da multidão transformada.Um mar de gente feliz e embriagada arrastava-a, empurrava-a, mas ela parecia nada sentir.Indiferente à música, às fogueiras, aos gritos das pessoas, aos balões e às danças, procurava-o silenciosamente.Começou pelo jardim onde se tinham conhecido, percorreu depois todos os locais onde costumavam ir juntos, onde se cruzavam sempre, mesmo sem encontro marcado.Calcorreou todos os cafés, restaurantes, ruas e avenidas que lhe falavam daquele amor perdido.E aos poucos, o aperto no peito foi-se instalando, primeiro devagarinho, depois mais forte e avassalador, fazendo-se audível por cima do bater do coração.E se ele não se lembrasse?E se ela estivesse ali em vão?Pela primeira vez não conseguiu afastar a dor, era já grande e ocupava todo o seu corpo, oprimia-lhe o respirar, turvava-lhe a vista e o caminhar, agora rápido.Tinha que o encontrar.Ele não podia tê-la esquecido, não se esquece um amor assim...O barulho era ensurdecedor e atordoava-a, o cheiro a queimado entontecia-a e anunciava o vacilar...Deixou que os seus sentidos a guiassem sozinhos, às cegas, desesperançada já, desesperada já.A dor escorria líquida molhando-a como chuva.Como conseguiria encontrá-lo?Como?
A resposta foi nascendo ao ritmo do adormecer da cidade.Lentamente, as pessoas recolhiam a casa, exaustas da festa e da folia, esgotadas dos excessos, mas Beatriz tinha ainda uma hora até partir o último comboio.Como fora tonta!Como julgara possível ele lembrar-se?Consciente do seu sonho despedaçado, sentou-se no banco de pedra da paragem e enquanto aguardava, já não olhava à sua volta, já nada via.Finalmente, deixava-se acometer por um choro profundo, desses que lavam a alma mas arrancam pedaços de vida.O choro da dor, do desespero.
Entre os outros sons, o apito do comboio fez-se presente, soou impertinente e Beatriz levantou-se devagar.Caminhou até à carruagem carregando nos ombros o peso dos farrapos dos seus sonhos, da sua esperança estraçalhada.Que tonta fora!Apoiou-se na pega da porta para subir e tinha já um pé no interior da carruagem quando sentiu a firmeza do puxão no seu pulso, o agarrar sereno e confiante da mão dele na sua.Voltando-se lentamente, encarou-o nos olhos felizes, com a alma aberta de par em par ao sol da manhã sorridente e dourada.Sem palavras, uniram-se na entrega de um abraço único, o abraço de quem sabe que um amor assim é raro, um desses amores que a vida reserva só para alguns, um amor que é, apenas, uma chance em mil.
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
Parabéns Mamã

PARA SEMPRE
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade!
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Carlos Drummond de Andrade, Lição de coisas
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Tempus Fugit

Quão difícil é de gerir! Sem outra escolha, vamos deixando coisas para fazer amanhã, um dia, no fim de semana, nas férias, quando os miúdos crescerem, quando houver tempo... numa outra vida...Vivemos perseguidos pelo relógio, vacilamos sempre perante esse adversário terrífico, tão temido pelos maus gestores, fatalmente reconhecido como invicto.Na realidade não há tempo, nunca houve, para os que amamos, para os que queremos, para os que precisam de nós, para os que nos esperam, apesar de tudo. Não há tempo para o amor, para a paixão, para a entrega, para a partilha, para a procura da felicidade... E sem tempo nos dias, arrastamo-nos nas noites, roubando tempo, julgando ganhar a vida. Mas, ganharemos?
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Estou atrasada... detesto chegar atrasada! Acelero o carro mas infelizmente há um mar de trânsito, é hora de ponta e a cidade enlouquecida corre toda, ao mesmo tempo, para todos os lugares...Impossível fugir... estou encurralada.
Desisto. Ponho o carro em ponto morto, puxo o travão de mão e aguardo tranquilamente o escoamento do rio metálico, enquanto ponho o som do rádio mais alto. Muito doce, a voz da Mafalda Veiga lembra-me a única verdade: "A vida não pára... a vida é tão rara!"
Encosto-me no banco, fecho os olhos e inspiro profundamente. Deixo que os pulmões se encham de ar e depois solto-o devagar, muito devagar, bem devagarinho...
domingo, 4 de novembro de 2007
Palavras sussurradas

Depois o pé - o meu - sobre o teu pé.
Logo o roçar urgente do joelho
e o ventre mais à frente na maré.
É a onda do ombro que se instala.
É a linha do dorso que se inscreve.
A mão agora impõe, já não embala
mas o beijo é carícia, de tão leve.
O corpo roda:quer mais pele, mais quente.
A boca exige:quer mais sal, mais morno.
Já não há gesto que se não invente,
ímpeto que não ache um abandono.
Então já a maré subiu de vez.
É todo o mar que inunda a nossa cama.
Afogados de amor e de nudez
somos a maré alta de quem ama.
Por fim o sono calmo, que não é
senão ternura, intimidade, enleio:
o meu pé descansado no teu pé,
a tua mão dormindo no meu seio.
Rosa Lobato de Faria, Poemas Escolhidos e Dispersos
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
Fotografias

A aula começou calma e cada palavra era insuportavelmente arrastada, penosamente proferida e era imperioso que fizesse sentido, articulada com as outras, até constituir um discurso coerente.Era necessário ler, inquirir, escrever no quadro, solicitar a memória, ditar apontamentos...cativar o meu auditório, prendê-lo na teia do interesse e da atenção...Era preciso estar atenta aos mais vagarosos, aos mais agitados, aos mais sagazes, aos incompatíveis, aos mais sensíveis, aos tímidos, aos indolentes...cada aluno é um universo e é tratado como uma individualidade, como um ser único, como penso que merecemos todos ser tratados.Mas sentia-me doente e a tarefa afigurava-se-me hercúlea...
A meio da aula, à dor de cabeça somaram-se as náuseas, as tonturas, os flashes de luz, a sensação de desmaio...e sentei-me atrás da secretária, sem ter deixado nunca de falar.
Não sei como perceberam.Talvez me tivessem visto tomar o comprimido...ou talvez seja só o entendimento secreto de quem se conhece bem e estranha quando nós não somos nós...
Arrastado, o som da campainha fez-se audível, poderoso, como um grito de liberdade atirado aos muros da escola.A aula terminara.O meu suplício também.
Contrariamente ao que é habitual, as cadeiras arrastaram-se devagar, os livros e cadernos foram arrumados com serenidade e antes de desaguarem tranquilos nos corredores gelados, quase todos tinham um mimo para mim:"Vai ficar boa, stora...";"As melhoras, stora!";"Bom feriado, stora";"Espero que passe...";"Vai melhorar...".
Já melhorei.A enxaqueca cedeu finalmente e eu voltei a ser eu.O que não passa, o que nunca passa despercebido, são os gestos de carinho que nos dedicam, a ternura subtil que há nas palavras dos que nos rodeiam que quando são inesperadas, parecem raios de sol tímido a desbravar a mais dura das tempestades.Essas ternuras devem ser fotografadas pela memória e arquivadas no único lugar que lhes compete: o coração.
Assim o fiz.
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