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Que dias há que na alma me tem posto/ um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê. - Luiz Vaz de Camões
Tenho que regressar urgentemente à leitura. E à escrita.
Culpo-me constantemente, diariamente, dolorosamente, destes dias corridos sem uma linha lida, sem uma palavra escrita. Escrevo cadernos de intenções, faço listas de prioridades, forro o frigorífico com post-its coloridos só para viver o gozo de falhar as promessas todas, sem exceção. E o dia terminado, já de luz apagada, o corpo quente, dormente, inerte debaixo dos lençóis, juro que amanhã é que é, amanhã é que vai ser. Faz-me falta o cheiro de um livro, a música do teclado fazendo nascer um texto. Tenho um romance na cabeça, um livro de contos, meia dúzia de poemas que me sussurram ralhos desdenhosos, intolerantes da minha indolência. Tenho saudades da companhia de um livro. Tenho saudades de textos esboçados.
Amanhã recomeço. Amanhã regresso. Sem falta.
Nos teus dedos nasceram horizontes
e aves verdes vieram desvairadas
beber neles julgando serem fontes.
Eugénio de Andrade
Uma rua vazia, um homem que traz um cão pela trela. Caminha devagar, a mão direita escondida no bolso do casaco deformado. No silêncio da noite cerrada, ouvem-se apenas as unhas do cão arranhando o passeio - como um eco triste da solidão do dono.
E no escuro do céu, bondosamente, a lua sorri-lhes com a sua cara redonda pintada de branco.
Meu querido DE PROFUNDIS!
O que me intriga é a razão do teu desejo. Porque é que queres ser mais do que isso que somos: humanos, falhados. Não temos asas, e que mal tem isso?
João Tordo, in Ensina-me a voar sobre os telhados