quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Puramente psicológico


Talvez seja psicológico, como tu dizes. E eu gostava mesmo que compreendesses que a sensação se inicia antes de entrar, quando os meus passos atingem a escadaria que é necessário subir. Depois, uma vez lá dentro, a espiral de sensações psicológicas desenrola a sua vertigem angustiante. Como uma bofetada, o cheiro atinge-me penosamente, revolta-me o estômago roubando-me a serenidade. Diz-me: Como se ignora um cheiro? De seguida, inicia-se a caminhada solitária por corredores vazios como mares gelados, subidas de elevador e novamente os corredores desertos, cheios do cheiro que me tortura, psicologicamente irrespiráveis. Atrás de cada porta fechada ou entreaberta, transpiram sons agudos, metálicos, frios, dolorosamente audíveis. Característicos. Ignorando o formigueiro nas mãos, a fraqueza nas pernas, o bater descompassado do coração, inalo a força na esperança de te encontrar bem. Procuro o número do teu quarto e entro finalmente, eu e o cheiro, porque os sons ficam do lado de fora. Menos mal. Finalmente junto de ti, é então necessário disfarçar, sorrir-te, conversar, desfiar as novidades, enterrar bem fundo a preocupação que teima em flutuar traiçoeiramente na luz dos meus olhos ao ver-te tão frágil, tão sumida... esconder de ti, que me conheces bem demais, o medo que sinto, a lágrima fugitiva...
Quando faço o percurso no sentido inverso e abro as portas de vidro que me atiram para a cidade, como explicar-te que é com alívio que respiro o ar cá fora, tentando limpar o cheiro colado a mim, que carrego baterias ao olhar apenas o céu imenso, finalmente livre das grades daquelas paredes brancas e lisas, dos sons que me algemam, dos cheiros que me acorrentam?
Talvez tu tenhas razão... O medo... a falta de ar... a sensação de afogamento... É uma questão puramente psicológica.
E amanhã será decididamente diferente. Prometo-te.

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