Um dia chamaram-me estropício. A palavra doeu-me, é um termo que não fazia parte do meu léxico, que não uso para me exprimir e talvez por isso, soou estranha como uma desconhecida, agressiva aos meus ouvidos. A situação era inusitada, eu a tentar fazer compreender o meu ponto de vista e a colidir frontalmente, violentamente, com opiniões diferentes. Eu, a elevar o tom de voz, a voar contra o vento, a remar contra a maré. Eu, a ser um estropício! Talvez tivesse merecido o vocábulo, naquela altura. Mas o episódio sanou-se e a palavra ficou. Passei a usá-la frequentemente, a amar a fonética das vogais e o tom sibilante que a veste. Hoje, quando estou em rota de colisão com alguém, penso no substantivo e no seu significado. Teremos nós o direito de ser estropícios na vida dos outros? Nem sempre nos fazemos compreender, nem sempre conseguimos compreender o mundo, mas... existe desde então o fantasma do estropício, o medo de travar os passos alheios, obrigando-os a tropeçar em nós. Ninguém tem esse direito, com efeito. Então, que fazer quando não nos conformamos com as fronteiras, as barreiras, os muros, as mãos que nos empurram, os silêncios, os sinais vermelhos e os de sentido proibido?
Uma pessoa razoável conformar-se-ia e desistiria.
Um estropício...também.
1 comentário:
A mim já me chamaram coisas bem piores...
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