sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Crónicas do Vento Salgado

 
Fotografia de Ângelo Marques

Já não ia lá há muitos meses, talvez desde o fim da primavera... Assustam-me os turistas, a confusão, o barulho cansativo da  cidade cheia de estranhos em pleno Verão... Por isso, hoje quando cheguei senti-me regressada a um lugar onde pertenço, que me abraça como uma casa. Sou assim, de amar lugares como amo pessoas e de lhes sentir a falta como se fossem vozes que preciso de ouvir.
O barzinho redondo é uma construção prefabricada, montada sobre o passeio que se debruça sobre o magnífico porto de pesca e só tem meia dúzia de mesas cá fora. Sentei-me e espreitei lá para dentro, à procura do dono que, aninhado junto de uma prateleira, repunha latas de coca-cola. Ele acenou-me, eu sorri-lhe e fiz o gesto universal de levar a chávena aos lábios. Ele sorriu de volta e levantou o polegar num OK silencioso. Depois virei-me para o mar já com o caderno aberto e a caneta suspensa, inquieta, à espera das palavras. Tentei. Tentei escrever o mar de vidro e o cais negro onde se ancoravam os corpos dos barcos, majestosos como estátuas, com os mastros erguidos para o céu lembrando crucifixos vazios; tentei desenhar num verso  as gaivotas aninhadas, silenciosas, sonolentas na mornidão da manhã; tentei contar dos bancos de areia clara riscados pelas pegadas dos pescadores e da silhueta de um homem e de uma mulher que naufragavam num beijo e se abraçavam contra o cais; tentei poetizar o brilho inclinado dos raios de sol, a luz e as cores do céu, os farrapos de nuvens e o cheiro a maresia no sal do vento... Tudo tentei. Depois pousei a caneta, paralisei o momento para o eternizar e fiquei só a gravar dentro de mim a poesia da cidade à beira-mar... Porque sei que há instantes assim, tão belos e fugazes que se riem até dos versos, tornam-se alados e voláteis, impossíveis de prender numa folha em branco... 

4 comentários:

ORPHEU disse...

Anna escreva mais textos destes, escreva muitas crónicas sublimes como esta.
Parabéns tambem ao autor da foto.

Anónimo disse...

A Póvoa de Varzim...
fiz praia com os meus avós ao lado deste porto, já em Caxinas. Fui tão feliz aqui! Parabéns pelo texto e pela foto, obrigada pelas coisas boas que me permitiram reviver a infância.

Anónimo disse...

Se alguém um dia me perguntasse porque gosto de Si, ler-lhe-ia este texto.

Anna disse...

Obrigada a todos pelas palavras...

Um beijo e um sorriso :)