quarta-feira, 20 de março de 2013

Da Felicidade


 
Ouvi há pouco nas notícias, hoje celebra-se o primeiro Dia Internacional da Felicidade. Ao que parece, a  ONU pretende que se reconheça "a felicidade e o bem-estar como objetivos universais para a vida da humanidade". A sugestão veio do Butão, um pequeno reino budista perdido algures nos Himalaias, dizia o locutor... E a seguir entrou a reportagem onde os portugueses definiam a felicidade: saúde, viagens, dinheiro, amor, paz, compreensão... e outros lugares comuns. E quando se fala em Felicidade, lembro-me sempre deste pedacinho do Livro do Desassossego onde Bernardo Soares se atreve a dizer que a felicidade está fora da felicidade:
 
Para se ser feliz é preciso saber-se que se é feliz. Não há felicidade em dormir sem sonhos, senão somente em se despertar sabendo que se dormiu sem sonhos. A felicidade está fora da felicidade. Não há felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já que deixá-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em tudo. Não saber, porém, é não existir.
 
Talvez fosse por isto que os senhores da ONU quisessem que a humanidade soubesse que é preciso ser feliz e tivessem decidido instituir a data... Não sei... Como não sei também porque razão nenhum dos entrevistados disse que a Felicidade é trincar um raio de sol, plantar árvores e regar flores, descobrir que as andorinhas chegaram e fizeram ninhos nos beirais do telhado, ousar escrever um poema, andar descalço, encher os pulmões de maresia, riscar com o dedo um nome na areia da praia, beijar e abraçar um filho, escrever uma carta de amor, oferecer um presente só porque sim, ouvir uma música inesquecível e cantá-la, mesmo que desafinando, a plenos pulmões, sentir o vento bater-nos no rosto, cozinhar para os amigos... Ninguém disse que a Felicidade é assistir a um pôr-do-sol, é o cheiro do café acabado de fazer, é olhar o brilho da lua todas as noites, antes de adormecer, é viajar nas páginas de um livro, é limpar as lágrimas de um amigo, é cozer o pão, saborear um gelado à beira-mar, é ouvir o silêncio, é telefonar só para ouvir uma voz de que se tem saudade... Dizia o locutor que um estudo prova que os portugueses estão mais tristes por causa da crise... Talvez estejam. E no entanto, eu confesso, tanto do que me faz feliz está tão longe do dinheiro...! Tanto do que me faz feliz é ao preço da chuva que me molha o rosto, ao preço do mar sempre infinitamente azul, por onde derramo o olhar, ao preço do sol que me aquece a pele, ao preço da vertigem que me provoca o sorriso daqueles que amo... 

6 comentários:

Anónimo disse...

Tão felizes que somos por vezes e nem nos damos conta...

Mudando de frequência:

Há dias um amigo meu lamentava-se porque segundo ele não conseguia encontar a "sua felicidade". Depois duns anuncios colados numas quantas montras de estabelecimentos comerciais eis que se fez luz. A "sua felicidade" apareceu. Tinha fugido com um rafeiro traçado de pastor alemão e passeavam pela zona da Escola Cego do Maio em pleno clima de "felicidade"... O meu amigo está feliz com o regresso da cadela, mas a "bicha" anda a carpir pelos cantos da casa... A felicidade plena, pelos vistos, nâo existe...


PS: Quando estiver a exagerar nos comentários parvos, por favor avise-me. É que eu às vezes perco a noção do ridiculo.

Anna disse...

Uma Primavera feliz para si, Caríssimo :)

Lídia Borges disse...

"...a Felicidade é trincar um raio de sol, plantar árvores e regar flores, descobrir que as andorinhas chegaram e fizeram ninhos nos beirais do telhado, ousar escrever um poema, andar descalço, encher os pulmões de maresia, riscar com o dedo um nome na areia da praia, beijar e abraçar um filho, escrever uma carta de amor, oferecer um presente só porque sim, ouvir uma música inesquecível e cantá-la, mesmo que desafinando, a plenos pulmões, sentir o vento bater-nos no rosto, cozinhar para os amigos...

Eu já sei o que é a Felicidade.

Beijo

Anna disse...

Sabes, sim. Tu sabes...

Beijo, Lídia

Gustavo disse...

Felicidade é podermos ser apenas nós próprios, sem nos diluirmos, é sentir necessidade de nos descobrirmos e de nos melhorarmos, é vencer vencendo-nos. Sim, felicidade é nunca perder a paixão de nos vencermos.

Anna disse...

É tudo isso, Gustavo :)
Obrigada pela partilha.