segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Mãe Mulher


Elas são as mães:
rompem do inferno, furam a treva,
arrastando
os seus mantos na poeira das estrelas.

Animais sonâmbulos,
dormem nos rios, na raiz do pão.

Na vulva sombria
é onde fazem o lume:
ali têm casa.
Em segredo, escondem
o latir lancinante dos seus cães.

Nos olhos, o relâmpago
negro do frio.

Longamente bebem
o silêncio
nas próprias mãos.

O olhar
desafia as aves:
o seu voo é mais fundo.

Sobre si se debruçam
a escutar
os passos do crepúsculo.

Despem-se ao espelho
para entrarem
nas águas da sombra.

É quando dançam que todos os caminhos
levam ao mar.

São elas que fabricam o mel,
o aroma do luar,
o branco da rosa.

Quando o galo canta
Desprendem-se
para serem orvalho.


Eugénio de Andrade, in Obra Poética


2 comentários:

Lídia Borges disse...


Seres mágicos, as mães!...

Na voz de Eugénio, tão poderosas como frágeis; ferozes contra o infortúnio, dulcíssimas à hora do colo.

Gosto. Gosto tanto!...

Beijo

Anna disse...

Belíssimas as tuas palavras, Lídia... Tão bom quando me ofereces poemas! Gostei tanto, tanto!!!

Beijos, muitos :)