sexta-feira, 15 de junho de 2012

Lua feiticeira


Poder ver a lua é um privilégio. Em miúdo, nem sabes o tempo que passava olhando o espaço de mistério dessa falsária, dessa feiticeira, nos dias em que não conhecia nem os versos nem a morte. Também amava o seu silêncio. Lá em casa ninguém dava por mim ou por ela, a nossa despedida era sempre muda e sem acenos. Depois escorregava pelos lençóis e o sono então chegava, redondo e tranquilo, sabendo que, como uma loba branca entre as nuvens escuras, ela continuaria a vigiar. Hoje, esse brilho e essa cumplicidade só estão no teu olhar. Ela, a lua, nasce para morrer, já não é presságio nem feitiço, houve até quem se atirasse para os seus braços, dando disso conta a toda a gente. Foi-se embora o encanto, afinal podia mesmo correr-se sobre ela como eu corria em miúdo pela areia dos pinhais. Apesar de tudo, a malvada ainda me prende o olhar quando aparece redonda, cheia de luz, cheia das saudades que são minhas.
Vi-te esta noite. Branca, nua, alcançável. E mesmo que de ti não chegasse qualquer espécie de perfume, ali permaneci tanto tempo com o nariz empinado, construindo a certeza de que nenhum de nós é agora particularmente feliz.

Joaquim Pessoa, in Ano Comum

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