Como um barco, a cidade afunda-se na noite, vai escorregando lentamente para a escuridão que a engole no meio do silêncio. Conduzo devagar na noite fria, deixo-me ir na estrada deserta... Há luzes incendiando as janelas dos prédios e espreito pedaços de vidas que moram dentro das casas - fugidias - nos escombros da noite. Imagino histórias. Banais e simples. Uma parede amarela, um quadro da Guernica, a cauda de um piano, uma gaiola redonda com um periquito encolhido... Os móveis brancos de uma cozinha, o rosto da apresentadora da noite numa tv ultramoderna, uma menina que dança com uma toalha na cabeça, um homem que fuma com os cotovelos apoiados no peitoril da janela escancarada, uma mulher lavando roupa na marquise de um prédio triste... Esqueço-me para onde vou. Não tenho pressa, demoro-me nesta ocupação de roubar imagens que contam histórias, de riscar versos tímidos que talvez venham a ser poema... Conduzo devagar, mais devagar. Por detrás dos prédios, a lua corre diante do meu carro, enorme, líquida de luz... Tão bela...! Tão cheia de silêncio e de gelo... Digo o teu nome dentro de mim e há uma montanha que se ergue no meu peito. Apago o poema... Ponho a música mais alto, canto baixinho a canção que adoro e deixo-me ir. Devagar. Rasgando o ventre da cidade.
8 comentários:
gostei muito do texto.
fora eu David Lynch e filmaria...
beijo
OH...! O David Lynch nunca aceitaria um argumento tão fraquinho...!
Beijo
Quase tudo na vida devia ser feito devagar
para acordar os pássaros
Atrevo-me a dizer, "tudo"...
Beijo, Eufrázio.
Tão teu, esse vaguear entre vidas!
Gosto tanto!
Beijo
Beijo, Lídia.
Saudades. Tantas.
Feliz Natal.
;)
Feliz Natal, Caríssimo.
:)
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