terça-feira, 8 de abril de 2014

Alegria


A tua voz ao telefone. Incrivelmente perto, como se o Canadá fosse aqui ao lado e tu nunca tivesses partido. Como se nunca me tivesses faltado estes anos todos. Hoje a tua voz, a fazer transbordar de alegria o meu dia cheio de pautas, de classificações, de relatórios, de estatísticas, de propostas para aulas de apoio pedagógico acrescido, de estratégias de remediação ditadas em voz dolente numa sala fria donde se viam as gaivotas num voo estridente. Hoje, como todas as Páscoas, a certeza de que vens e de que estaremos juntas outra vez... E por entre as reuniões corridas, a memória fugia-me para a tua voz no telefonema rápido só para me garantires que vens, que chegas amanhã e que nos encontraremos no sábado, de certezinha, sem falta nenhuma, que um ano de ausência esconde saudades que fazem doer... Antecipo a tua chegada, abro a porta da memória e subo a correr, como dantes, a escadaria escura da casa da tua mãe... Lá em cima recebes-me a cantar, a bater palmas, aos pulinhos alegres, e puxas-me para dentro, voámos até ao teu quarto que cheira a glicínias explodindo em cachos roxos na grande árvore que atira os braços para as vidraças das tuas janelas. Depois era só risadas, segredinhos, os rapazes mais giros da turma, o velho professor que nunca sabia o teu nome e me inundava de perdigotos na carteira da primeira fila... Fazíamos desfiles de moda, ensaiávamos penteados e pintávamos os olhos como a Brigitte Bardot, tão linda...! Tu ajudavas-me com a matemática, eu corrigia o teu mau francês e fazíamos pausas no estudo para consultar a lista telefónica e desatar a fazer telefonemas anónimos sempre com as mesmas vítimas - um Coelho, um Leitão, um Talho qualquer neste país... as piadas parvas com graça inesgotável que nos levavam às lágrimas... Na imaculada cozinha da tua mãe, tu pedias-me muito, eu dizia que não mas lá fazia leite creme para o lanche que cobríamos de açucar mascavado e de canela... Depois dançávamos até cair para o lado as músicas todas dos Bee Gees, aos gritos na aparelhagem ultra-moderna que os teus pais tinham comprado em Espanha e quando tombávamos exaustas, falávamos, perdidas de riso, dos primeiros beijos na boca e do sexo que desconhecíamos como se fazia...
Quando partiste, levaste contigo um quinhão da minha alegria e não faz mal que venhas só uma vez por ano... Sou uma mulher à moda antiga, de amores eternos, as pessoas que amo não as esqueço só porque não as vejo, só porque estão distantes de mim... Sei que quando te abraçar e nos olharmos nos olhos, será como se nunca tivesses ido embora e no teu sorriso feliz, terei recuperado toda a minha alegria.

8 comentários:

Anónimo disse...

Sorri,
do Canadá apenas chega amor para mim...e para si.
Eduardo

Anónimo disse...

Eu tocava às campainhas e fugia a correr... Era uma loucura saudável e inocente. Obrigada pelas memorias que me trouxe tão vivas.

Duda

Lídia Borges disse...


Que bom!:) Gosto de todas as sílabas dessa "Alegria.


Beijinho


Anna disse...

Talvez um destes dias eu aceite o convite da minha amiga, faça as malas e voe até ao Canadá...!

Obrigada, Eduardo :)

Anna disse...

Duda,

Como foi possível esquecer-me disso???!!! Claro que eu também tocava às campaínhas e fugia a sete pés... :) Eu é que agradeço por mo ter lembrado.

Beijinho

Anna disse...

Tinha saudades tuas, Lídia Borges :)

Para a semana vou visitar-te e passar o dia contigo!

Beijos, muitos!

ORPHEU disse...

Gosto destes textos onde se revela... Gosto de confirmar que a Anna é uma pessoa especial.

Anna disse...

Orpheu,
Todas as pessoas são únicas e especiais mas agradeço a gentileza do comentário :)