sexta-feira, 18 de abril de 2014

A Morte é uma Merda

 
Deve ser da idade, estou a ficar sem paciência para conversas de treta, para pessoas que se fazem passar pelo que não são, que tentam desesperadamente espelhar uma imagem que não é a sua e não as reflete... O Gabriel García Márquez morreu há umas horas e de repente, em todos os blogues, em todos os estados do facebook há gente a citá-lo (erradamente, muitas vezes), a falar do Cem Anos de Solidão como o livro das suas vidas... E se isso me irrita, é porque eu sei que não é verdade, que algumas das pessoas que o afirmam, nem a Dica leem, quanto mais Gabriel García Márquez...! Mas dizem-no com propriedade, ignorando talvez que o referido livro é uma obra de leitura difícil, densa, que nos absorve e nos desgasta... É um livro que exige amor pela leitura, que exige memória... Mas todos o leram, de certezinha absoluta...! Que motivos levarão um leitor a falar de algo que desconhece? A citar um autor que nunca leu, a correr e às pressas, com uma frase qualquer levianamente retirada do "Citador"? A maravilhosa obra do Gabriel García Márquez é um monumento da literatura universal e deve "cair bem" dizer-se que se conhece... Pois bem, eu não conheço. Assumo aqui e agora a minha falha que fará de mim uma demente perante a blogosfera. Do autor li apenas sete livros, nem um terço da sua bibliografia, o que faz de mim uma desconhecedora da sua obra... Uma mentecapta, é o que eu sou. Mas por todo o lado se vai dizendo com pretensão que ele era o maior autor de todos os tempos, um autor imortal, o maior escritor espanhol (valha-me Deus!!!) que se afirma ler e reler...
Não tenho paciência, confesso. Não tenho paciência nem sequer para a morte, acho-a uma merda, e no entanto, o Gabriel García Márquez olhava-a de frente, escreveu sobre ela com perícia no fantástico Olhos de Cão Azul que andou em cima da minha mesa de cabeceira durante meses, depois da morte da minha avó... Lembro-me que li os contos à espera de uma resposta que não sabia onde encontrar: porque morrem os que amamos...? Para onde vão quando nos deixam...? Porque nos custa tanto, mesmo quando sabemos que só pode ser assim...? O Gabo estava gravemente doente e em grande sofrimento, há muitos anos. O cancro que o minava derrotaria também o soberbo escritor e por isso, numa atitude de lucidez, anunciou ao mundo que deixaria de escrever porque a memória o abandonava... Imagino o que isto deve ser para quem escreveu a vida toda, para quem esgrimia as palavras para combater vícios sociais, para denunciar defeitos humanos e sistemas políticos... Talvez a sua morte tivesse sido, afinal, a porta que ele desejava atravessar... 
Esta noite, em homenagem ao Gabriel García Márquez, não usarei citações... Vou ficar em silêncio porque não falta quem o epigrafe a torto e a direito, quem lhe dedique poemas e preste devoção... Em memória do autor, vou pegar num livro dele, abri-lo ao acaso e ficar a sós com a sua escrita. E não, o meu preferido não é o Cem Anos de Solidão... Eu gosto muito, muito mesmo, é de O Amor nos Tempos de Cólera... Vou reler as cartas de Florentino a Firmina e saltar para o fim, para a parte em que o leitor descobre que a procura deste amor que perdura para além do tempo e da distância, durou 53 anos, 7 meses e 11 dias... Tão belo, este livro...! E amanhã vou à Fnac comprar todos os outros que me faltam do Gabo. Não há nada mais triste do que isto: olhar as prateleiras da estante e perceber que temos toda a obra de um escritor que adoramos, que ele não escreverá mais nada porque já não está entre nós... Uma merda, é o que é...!

10 comentários:

Anónimo disse...

Ó Stora, que é que se passou???
Vejo-a como uma menina de tótós, saínha de pregas, sabrinas de verniz, cheiro a alfazema... e a Stora apresenta-se perante de calça de ganga a cair pelo rabo, boné com a pala para trás, piercing no nariz e skate na mão?!?!?!?!?

Não a imaginava assim...
Mas que a morte é uma merda, é.

;)Felis e serena Páscoa

jorgil disse...

De acordo! Estou farto de dizer a mim mesmo e até já disse num blogue que nunca falarei de quem morre. Acho que se deve falar enquanto são vivos! Depois, é só hipocrisia!

Mar Arável disse...

Não há morte

nem princípio

Anónimo disse...

Anna, triste mas, é a falta que nos diz mais da presença.Vamos lê-lo sim. E que nos traga inspiração para continuar a escrever, pintar, sonhar, nós que ainda vivos.

Anna disse...

Português vernáculo, Caríssimo. É o que é...!
Uma Páscoa Feliz para si e para os seus :)

Um beijo

Anna disse...

Jorge, não sou contra homenagear os mortos, eu mesma o faço quando as pessoas que desaparecem me são, de alguma forma, queridas. Só sou contra aqueles que falam e não sabem de quê...

Desejo-lhe uma Páscoa Feliz! :)

Anna disse...

Fez-me evocar Caeiro, Eufrázio... :)
Desejo-lhe uma Páscoa Feliz, do alto da sua escarpa :)

Um beijo

Anna disse...

A leitura da obra de Gabriel García Márquez é infinita, estou de acordo consigo Caro Anónimo :)

Tenha uma Páscoa Feliz e obrigada pela visita :)

deep disse...

Eu estou mais longe ainda de conhecer a obra dele. Li, com toda a certeza, Amor em Tempos de Cólera, reli Crónica de uma Morte Anunciada e o Relato de um Náufrago, mas não li Cem Anos de Solidão. Devo envergonhar-me? Obviamente que não. Há tantos livros que não li nem lerei.

Anna disse...

É exatamente isso, Deep.
:)