sexta-feira, 19 de julho de 2013

ORPHEU

 
Sempre fui apaixonada por aves. Admiro-lhes os corpos frágeis e macios, a elegância das asas abertas em voos serenos, o canto admirável que me oferecem mal o primeiro clarão de luz rasga as trevas da madrugada, os acordes inimitáveis dos concertos ao fim do dia... Compro abrigos e casinhas que deixo no jardim, penduradas nas árvores, com as portas abertas num convite para que venham morar comigo e passo a vida a resgatar pardais da boca dos cães, da chaminé da lareira onde caem e ficam prisioneiras sem atinar com a saída... Gasto tempos infinitos com o olhar suspenso na observação dos melros, das pegas, dos pombos e das rolas, dos rouxinóis e tentilhões, até da velha coruja que me responde quando a desafio no silêncio da noite... Admiro-lhes a liberdade e a timidez e sem desistir, tento seduzi-las com grãos de arroz, restos de fruta, alface, migalhas de pão, banheiras de água, tudo em troca da fidelidade ao meu jardim, numa atitude egoísta que me permite ficar a ganhar com a presença destes animais admiráveis.
Cansados desta minha obsessão por aves, o meu marido e os meus filhos renderam-se por fim e ofereceram-me um canário no dia do meu aniversário. Entristece-me que tenha que estar enjaulado e sem companheira e por isso,  para tentar minimizar a injustiça das grades e da solidão, coloquei-o lá fora, bem alto, a salvo da boca dos cães e das garras e do instinto felino do Sebastião, numa parede abrigada, aquecida pelo sol, sempre debaixo dos meus olhos. Chamei-lhe Orpheu, na esperança de que venha a ter um canto mágico. É uma ave jovem ainda, assustadiça, e estamos a conhecer-nos devagarinho... O Orpheu come o dia todo e espalha para todos os lados  grãos de alpista que imediatamente foram descobertos pelas aves que me visitam. Agora, da janela da cozinha de onde o observo, o Orpheu não está só: em volta da gaiola, no chão, há pardais a catar os restos que ele despeja, num bailado encantador e ao som de trinados belíssimos que me proporcionam um espetáculo maravilhoso e inusitado... E essas aves atraem outras, e cada dia são mais... Não sei se o Orpheu está feliz... Eu estou... Porque sem o saberem, o meu marido e os meus filhos ofereceram-me, no dia dos meus anos, todas as aves do mundo... 


6 comentários:

Anónimo disse...

https://www.youtube.com/watch?v=ZU-mwqg1gQw

ORPHEU disse...

Nome aprovado!
Textos bons, estes onde se consegue antever um pouco da pessoa por trás da escrita... Tinha saudades.

Anna disse...

OHHHH...! Gosto tanto!

Anna disse...

Um abraço, Orpheu :)

Sônia Brandão disse...

Ele tem um belo nome. Mas, pobrezinho, não é livre.

bjs

Anna disse...

Eu sei, Sónia... As aves não deviam viver em cativeiro, nem sozinhas... :(

Beijo, bom fds :)