quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ó Stora...

Despedi-me deles que sorriam, os pensamentos já na praia, nas festas, nos acampamentos e na piscina, no café e no cinema, nos festivais, na alegria sublime de se ter dezasseis anos e se ser dono da vida e do mundo. Despedi-me deles com saudade, tantas horas juntos, tanta coisa partilhada que rasga os livros, as matérias, atravessa as salas de aula e se escreve com ternura no coração... Despedi-me deles com amor e fiquei a vê-los partir em bandos de risadas, braçadas de almas plenas de esperança que a vida não devia trair... Despedi-me deles com a sensação de que são um pouco meus, de que levam um bocadinho de mim, como só é possível quando se partilha o avesso de nós, quando se mostra sem pudor nem medo o sombrio lado lunar. Conheço-os e eles conhecem-me... Provaram conhecer-me quando a aluna delegada me entregou tão feliz o presente de todos, um poema feito pela turma, cada verso escrito por um punho diferente... Leram-no todos, um verso cada um, policiando as minhas emoções que caíam em derrocada nos olhos brilhantes. Explodiram em palmas, Ó Stora, não somos poetas?, abraçaram-me, e depois partiram...

No silêncio que ficou na sala vazia, ecoava ainda o gesto de ternura, como o bater cadenciado de um coração...

Sou professora deles, mas tanto que eles me ensinam...!

2 comentários:

homem vulgar disse...

QUINTA-FEIRA, 14 DE OUTUBRO DE 2010

Ó Stora...
Falávamos de sonhos materiais, de coisas que o dinheiro pode comprar e que nos fariam felizes. E de repente, um deles disparou a pergunta:

- Ó stora, o que comprava se lhe saísse o euromilhões?
Calei-me. A turma olhava-me suspensa na curiosidade da resposta. Vinte e oito pares de olhos vigilantes trespassavam-me a mente, tentando adivinhar as preferências que lhes pareciam mais evidentes. Alguns, baixinho, faziam apostas. Percebi então que não poderia contar-lhes. Nunca conseguiria explicar-lhes que à saída de uma curva da pitoresca estrada de paralelos, ele se ergue imponente, majestoso na sua velha altivez de pedra, oferecendo aos passantes uma imagem de inesperada beleza. Altivo, abraçando o mar até ao horizonte... E solitário. Como um rochedo. Não conseguiria dizer-lhes da serenidade que o envolve, o corpo sólido sobre a escarpa, enterrado nas dunas brancas de areia muito fina e macia... ou das janelinhas de madeira escura que se abrem mais perto do céu. Lá dentro há uma escada tosca que conduz ao piso de cima onde junto às vidraças eu encostaria uma mesa larga com os meus livros espalhados em desalinho e onde me sentaria a escrever... Como contar-lhes? Como descrever o cheiro a maresia do vento salgado, o entardecer do sol que morre devagar avermelhando os céus a ocidente, e os gritos das gaivotas rasgando as águas do meu sonho? Não... Não saberiam que eu forraria as paredes com estantes carregadas de livros e haveria uma cadeira de baloiço, daquelas que já não existem, onde me sentaria a ler na urgência da solidão e do silêncio... Ficariam sem saber do meu moinho, do meu refúgio sonhado num sonho tão longínquo, do minúsculo pedaço de paraíso encostado ao mar, tão próximo das estrelas...
Sorri-lhes. Falei-lhes na típica viagem à volta do mundo... E a aula prosseguiu calmamente até que o toque da campainha os libertou para os jardins da escola, na alegria ruidosa de todas as manhãs.
PUBLICADA POR DE PROFUNDIS EM 23:42

Parece que algo mudou no "Reino de De Profundis"...
Ainda bem!
;)

Anna disse...

Não, Pedro. Nada mudou no meu pequeno mundo. No entanto, há coisas que são só minhas. Sempre serão. Tudo o resto eu partilho com o mundo.

Um beijo
(Gostei mais do texto, agora que o reli, do que quando foi escrito. Obrigada por mo teres trazido :))