segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Cá dentro


Digo-te que tenho medo. Tu sorris e abraças-me com aquele abraço teu de nuvem azul onde me escondo toda, onde me guardas inteira. Perguntas-me pelo meu silêncio e eu hesito (entenderás tu?) antes de te responder. Depois atrevo-me e conto-te do mar do meu silêncio onde há criaturas medonhas e venenosas com tentáculos de polvo que sempre me agarram. Digo-te que sonhei com a mulher que foi levada pelo mar e não voltou... Digo-te que às vezes o mar é assim, guarda no ventre criaturas que toma como suas e não as devolve nunca mais. Também o meu silêncio é um mar roubador - explico-te. Também eu sou prisioneira de vagas de silêncio, dias e dias sem vozes dentro de mim, afogada, enrolada numa onda negra silenciosa. No meu sonho, a mulher que o mar não devolveu tem os olhos abertos de terror e um rosto quase igual ao meu. 
Tenho medo - repito. O teu abraço ainda não acabou mas eu tenho medo, mesmo assim. Fecho os olhos e por momentos sou menina de bibe outra vez, jogo à macaca no recreio da escola, as tranças quase desfeitas saltam e batem-me nos ombros como chicotes. Sou pequenina outra vez... - tenho nódoas negras nas pernas e um sorriso infinito na boca pegajosa do pão com marmelada que a mamã pôs na lancheira. Rio, rio muito e muito alto... Porque sei nadar em todos os mares e ainda nenhuma onda me levou ao fundo, aos abismos silenciosos nos confins do mar mais profundo. 
Conto-te tudo em voz baixa e o abraço desfaz-se. Desfaz-se a rede na nuvem que me guardava e de novo sou arrastada, outra vez regresso ao fundo do medo do meu silêncio, onde ninguém me agarra. E onde me afogo.

9 comentários:

Anónimo disse...

Agarra-te ao abraço...


boa noite


-___-

Lídia Borges disse...


Não podes afogar-te enquanto houver um abraço...

Como quase sempre um azul muito marinho, muito sombrio atravessa o teu texto. Mas é azul! Anima-te.

Bj.

Lídia

Anónimo disse...

Abençoado "mar" que a devolveu a este seu mundo de palavras e partilhas... nós permanecemos por cá sempre disposto a acolhê-la num fraterno abraço...

Estamos juntos ;)

LuísM Castanheira disse...

Olá, Anna.
Tanto tempo passou...
E agora "Cá dentro". Bem por dentro.Abraço sem braço.E o Mar.Tanto o Mar... E pesadelo.E sem parar.Bela a escrita.Receção no Tempo e ao tempo de ouvir as ondas adolescentes que cresceram até ao Inferno.E tudo em voz baixa, não vá esse Mar acordar.
Gostei muito.
Um BJ.

Anna disse...

Assim vou fazendo, Moonchild... Mas às vezes cai-se das nuvens...

Obrigada pela partilha!

Anna disse...

Azul, Lídia. Como desanimar perante o azul...?

Beijos beijos

Anna disse...

Grata, Caríssimo...! Pelo abraço e pela presença sempre certa.

Beijo

Anna disse...

Obrigada pelas palavras tão belas e tão sentidas, Luís.

Também eu, gostei muito!

Beijo

Anónimo disse...

Os medos superam-se.
Força!