
O meu sonho é como um cão vadio, desses que se nos colam à porta e ali ficam, de olhos meigos e submissos, implorando guarida. Já o enxotei, já o apedrejei, mas ele volta. Quando me apanha distraída, sempre que eu baixo a guarda, ele regressa, entra por um vazio qualquer do olhar e enrosca-se num novelo triste à porta do coração. Deixei de o alimentar, há muito tempo que não o abrigo no calor da memória, mas de nada adianta. Ele volta. Volta sempre.
Por agora, faço de conta que ele não existe e deixo-o enrolado na sua própria solidão, nada pedindo, nada exigindo em troca, a não ser que o deixe ficar aqui... Por agora, finjo que não o vejo, que é só um cão vadio errando nas estradas do tempo, lutando pela sobrevivência, à procura de um dono qualquer que lhe invente um ninho.
Anna Sophia Moraes