sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Pequeninos sóis

Abro a janela à manhã fria e a surpresa desperta-me o olhar ensonado, segura-me por instantes os gestos que assim ficam, suspensos na alegria inesperada... Sorrio. Por cima dos muros do meu jardim, o campo amanheceu salpicado de pequenos sóis, uma inusitada alegria dourada a brilhar para mim, do lado de lá do muro branco que o musgo nascido de tanta chuva enverdeceu. As mimosas...! Não estavam lá ontem, quando baixei as persianas nos rituais quotidianos do adormecer da casa. Eu tê-las-ia visto, como vejo os melros e as pegas, os estorninhos e os pardais, as amoras suspensas nos silvados, as pinhas tombadas na erva ou o correr veloz das lebres assustadas. E no entanto, hoje, o campo amanhece coberto por um manto dourado e perfumado, a terra veste-se para a primavera, indiferente ao terreno encharcado, ao vento gelado, ao céu plúmbeo, aguarelado de nuvens que deslizam rápidas, apesar dos ventres carregados de grossas bátegas... Hoje nasceram as mimosas... Ouço cá dentro a voz da minha avó na sabedoria das suas sentenças populares, dos ditados e dos adágios incontestáveis como uma verdade antiga e profunda: Quando as mimosas chegam está o inverno a partir. Quero acreditar nisso, avó. Quero acreditar que tu sabias o que dizias, sabias a verdade e no entanto não percebias nada de mimosas, desconhecias que são uma árvore selvagem, a Acacia dealbata, uma espécie invasora de fácil propagação e muito resistente, nativa da Austrália. Que te interessava isso a ti, avó? Adoravas o perfume e a cor das mimosas, os cabelos de anjos - como tu lhes chamavas - que anunciavam a chegada da primavera... E é por isso que ainda em jejum, desço as escadas a correr e entre duas chuvadas vou colher uma braçada de mimosas para colocar junto do teu retrato... Porque preciso da esperança da primavera, avó. Preciso de pequeninos sóis perfumados que rasguem a escuridão em que me encontro, que sejam a luz ao fundo do túnel neste longo inverno onde me sinto enfraquecer e vacilar... Pequeninos sóis com o teu rosto dentro a sorrirem para mim um sorriso de anjos, a segurarem-me as asas, a ampararem-me a queda, avó.   

10 comentários:

Mar Arável disse...

A cada instante

uma memória
grande

Anónimo disse...

dizem que os grandes sóis (girassol) são muito resistentes. pena não tê-los visto ultimamente, pois trariam mais esperança. acho que eles cedem mais, mais flexíveis se entornam, e

Anna disse...

:)
Um abraço, Eufrázio.
Bom fds :)

Anna disse...

Adoro girassóis... :)

Anónimo disse...

Bonita imagem e bonito texto.
Gosto de Acacia dealbata e ofereço-lhe uma semente de girassol.
Eduardo

Lídia Borges disse...


Nada estará perdido enquanto os pequenos sóis foram capazes de despertar sorrisos.

Abraço! ...

Anna disse...

Eduardo,
Nunca me tinham oferecido uma semente...
Que presente lindo!
Obrigada :)

Anna disse...

O sol desperta sempre sorrisos, Lídia. Sempre!
Beijo :)

deep disse...

Muito bonito, Anna. :)

Boa semana. Bj

Anna disse...

Obrigada, Deep :)
Boa semana, beijo :)