Sim, deixei de escrever. Porque já não sei escrever, perdi-me das palavras, esqueci-me como se faz... Deixei de escrever, talvez nunca mais o faça, talvez seja esta a última noite em que escrevo. Sem dar conta e sem saber bem como, fui aprendendo a fazer outras coisas, a ficar mais em silêncio, a tentar guardar aquilo que sempre me escorreu por entre os dedos... Ouço o Caetano Veloso... E quando ouço o Caetano Veloso alguma coisa que não sei contar acontece em mim... Aprendi a amar a poesia, talvez nunca tenha sabido lê-la até hoje, e agora, acontece-me isto de me ficar um verso preso na garganta, de haver sempre uma palavra que se faz âncora num pedaço do meu coração... Há alturas até em que um verso teima em mim, se me agarra ao sangue e corre por dentro das veias todas as horas do meu dia... Não consigo libertar-me dele... Mando-o embora mas ele não vai. E então saio de casa com as palavras entre os dedos, presas ao peito como um colar tombado entre os seios, penduradas num olhar vazio, tão parecidas com uma lágrima... Há dias em que a poesia é como a música do Caetano Veloso, sei-a de cor, embrulho-a em todos os versos... e depois perco-a porque ela solta-se sozinha de mim, desata os nós, desfaz os laços, deixa-me tão só no vazio da cidade...
Deixei de escrever. Porque se eu não disser nada, ninguém dirá nada. E então o silêncio é uma teia molhada e brilhante como chuva ou como onda do mar salgado que me prende, que tem uns braços sem fim que me envolvem e me embalam e me carregam no peito com ternura... assim... apenas uma mulher perdida da sua própria voz mas cheia de poesia e de música por dentro, escondida num lugar onde ninguém me dirá nada, onde ninguém me fará perguntas porque a ninguém interessará que eu já não saiba escrever. Nem sequer a mim. Muito menos a mim.