terça-feira, 31 de março de 2015

Mulher. Amor.


Saberia então que ninguém ama como as mulheres se amam, nem como nos amam a nós, os seus homens, e que toda a ideia do amor com elas se confunde e mistura. E que, tendo o amor sido inventado por elas, também só as mulheres podem vê-lo levedar, levá-lo ao fogo, voltá-lo sobre as brasas do lume para o porem a cozer de novo, dividi-lo como se divide o pão ou se serve o vinho à mesa - e depois ensiná-lo aos homens, às buganvílias, aos povos todos deste mundo e do outro. 

João de Melo, in Luxúria Branca e Gabriela

segunda-feira, 30 de março de 2015

Palavras roubadas


Afinal, todos queremos no peito, o nó de um outro peito, o devolver da metade que perdemos ao nascer.

Mia Couto, in Terra Sonâmbula

domingo, 29 de março de 2015

Contar-te


Contar-te: tão grande que é, tão vasto o mundo... Tantas esquinas cruzadas, tantas avenidas largas e praças abertas ao mesmo sol, o mesmo cheiro a sal, no vento que me bate no rosto... Uma língua estranha, impossível de descodificar, rostos sem nome, iguais aos rostos que se reconhecem e se sabem nomear... Uma melodia antiga, um riso claro, um amor que brilha, duas mãos que se enlaçam sobre uma mesa igual a todas as mesas que existem em qualquer esplanada... E de repente, uma frase imortal riscada num muro, uma dor esquecida que se apodera de mim por dentro, que obriga o corpo a vergar-se debaixo do peso da memória... A alquimia da memória. De repente, é a memória que aperta as ruas, que estrangula as praças, que torna o mundo do tamanho da minha rua... A rua que percorro devagar, com o corpo dobrado para dentro do silêncio - sombreando as lembranças que nunca perdi -, é subitamente estreita e igual a todas as ruas por onde já andei... E carrego-te comigo, dentro dos meus olhos, levo-te a ver o mundo vasto, tão grande, tão pequeno afinal, porque uma frase imortal gravada nas ruínas de um muro, me tolhe os passos vencidos até ao fim da estrada, no mundo que conheço. 

sábado, 21 de março de 2015

Hamburgo


Chamam-lhe a Veneza alemã e os muitos canais são cruzados por mais de duas mil e quinhentas pontes. Com efeito, Hamburgo tem mais pontes do que qualquer outra cidade do mundo... E como eu adoro cidades à beira da água, isso basta-me para querer ir. Apesar das previsões meteorológicas que anunciam uma temperatura mínima de um grau e uma máxima de oito, estou preparada para uma viagem onde não encontrarei a primavera... Na mala estão roupas quentes e confortáveis, botas que me permitirão calcorrear a cidade à chuva e ao frio, mas também luvas e cachecóis, gorros e kispos, sobretudo para o passeio de barco previsto para terça-feira. Quero ir. Quero muito ir. Depois das últimas três semanas de trabalho a um ritmo alucinante, vai saber-me bem ser quase turista em solo alemão, deixar que os alunos nos guiem, nos mostrem as escolas, os monumentos, as ruas e os parques, os museus e os restaurantes, a noite e o dia em Hamburgo... Vai ser bom rever amigos; com toda a certeza, fazer outros; representar a minha escola em escolas diferentes, num mundo e numa realidade diferente daquela onde vivo.
Parto daqui a pouco para Hamburgo. Não fosse lembrar-me que há aviões para apanhar, o meu sorriso seria quase, quase feliz... 

domingo, 15 de março de 2015

Ponto de interrogação


Como é que eu,
ouvindo tão mal, distingo
o teu andar desde o princípio do corredor?

Como é que eu,
vendo tão pouco, sei
que és tu que chegas, conforme a luz?

Como é que eu,
de mãos tão ásperas, desenho
a tua cara mesmo tão longe dela?

Onde está
tudo o que sei de ti
sem nunca ter aprendido nada?

Serei ainda capaz
de descobrir a palavra
que larga o teu rasto na janela?

(Que seria de nós
se nos roubassem os pontos de interrogação?)

Mário Castrim, in Os Dias do Amor

sábado, 7 de março de 2015

Segredo


Segreda-me a canção dos dias
sem que nos ouça a noite terrível
e deixa que dance em mim a voz,
a voz azul que é o lugar onde
o mundo não pára de nascer.

Segreda-me o teu nome, agora,
e farei de nós o amor, a constelação,
o sonho de uma estação sem morte.

Vasco Gato, "Segredo" in Um mover de mão

quinta-feira, 5 de março de 2015

Palavras roubadas


Quem não souber povoar a sua solidão, também não conseguirá isolar-se entre a gente.

Charles Baudelaire

terça-feira, 3 de março de 2015

Cá dentro


Não esquecer, não esquecer, não esquecer, não esquecer, não esquecer, não esquecer!
És tão parva, Anna.